«Um juízo é sempre um auto-juízo»

    Quando o desejo de perfeição resvala no sonho de infalibilidade, o indivíduo focaliza toda a atenção em si mesmo, de modo meticuloso e quase obsessivo, em suas ações e progressos. Ele define o seu próprio “eu ideal”, definindo as condições precisas que tornam correta ou perfeita a sua conduta. Impõe uma perfeição legalista aos seus atos, dando-lhes uma importância excessiva, como se a salvação dependesse deles. Ao mesmo tempo, instala-se nele um temor de admitir o próprio pecado pois reconhecer-se pecador significaria admitir o próprio fracasso. Seria o fim do sonho. Então surge o fenómeno da trave no olho (Mateus 7). O indivíduo incapaz de integrar os seus próprios fracassos e pecados e de os corrigir, inclina-se a projetá-los nos outros, porque considera mais fácil combater um inimigo exterior do que interior. A projeção constitui um modo muito primitivo de libertar-se da própria culpa, descarregando-a nos outros (bode-expiatório). O homem "projeta", isto é, crítica, acusa, julga, e às vezes condena, recusa, despreza... Deste modo, tem a impressão de ter feito alguma coisa contra esse mal. Ele lança no outro tudo o que há de negativo em si, as culpas ou aqueles aspetos do “eu” que o indivíduo não aceita ou não integrou em sua identidade. Uma trave no olho impede-o de perceber que tudo o que contesta no outro é... de propriedade sua. Este processo pode ser identificado por: 1. Rigidez e repetitividade do juízo, que deixam poucas ou nenhuma esperança na possibilidade de uma melhoria do outro. 2. Uma acentuada antipatia pelo outro, cuja simples presença é advertida como fastidiosa, comporte-se ele como se comportar. 3. A condenação demasiado fácil e pronta, tentando iludir-se de que afastou de si mesmo o mal que condena no outro. 

    Poderemos compreender que certas condutas demasiado inflamadas e condenatórias de tudo e todos podem, na realidade, não ser mais do que uma fuga de si mesmo, uma tentativa de negar os seus pecados, fracassos e defeitos (ou simplesmente características da sua personalidade não integradas saudavelmente), projetando-os nos outros. Acusar os outros de erros e defeitos que, na realidade, não cometeram ou não possuem, pode ser uma tentativa de fuga de si mesmo, tentando ignorar os próprios defeitos para preservar o seu “eu ideal” ilusório. O mesmo se pode afirmar no caso de atitudes inflamadas e intolerantes diante da manifestação da personalidade (com suas virtudes e defeitos naturais) ou simples presença do outro ("não aguento nem a maneira como ele fala"). 

    Uma reflexão a ter em conta nos diversos tipos de intolerância e discriminação.



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