APRESENTAÇÃO DOS PONTOS 1
A 61 da Carta Encíclica Laudato Si´[1] Tópicos chave: Introdução 1. “Cântico das criaturas” como ponto de partida para olhar a criação com admiração e encanto, conscientes que tudo é obra do mesmo Criador; 2. A ação humana para com a criação: “irresponsável”, “descontrolada”, promotora de “abuso”, “violência” e “pecado”; 3. Uma mensagem para todos; 4. Ecologia, uma inquietação da Igreja Católica; 5. Ecologia, preocupação transversal a todas as religiões; 6. S. Francisco de Assis - Um exemplo de relação humana com toda a criação; 7. Todos juntos para preservar a casa comum; Capítulo
I 8. Mudanças das sociedades, versus, mudanças da natureza; 9. Poluição e mudanças climáticas: 9.1. Poluição, resíduos e cultura do descarte; 9.2. O clima como bem comum, aquecimento global; 10. A questão da água: 10.1. Desperdício, escassez, fraca qualidade; 10.2. Efeitos nas classes mais pobres; 11. Extinção das espécies: 11.1. Supressão definitiva da valiosa diversidade; 11.2. Conservação, efeitos positivos e riscos; 11.3. Transformação do «maravilhosos mundo marinho em cemitérios […] despojados de vida e de cor». 12. Deterioração da qualidade de vida humana e degradação social: 12.1. Sociedade do egocentrismo e do descarte; 12.2. Destruição dos vínculos sociais e isolamento; 13. Desigualdade Planetária: «não há espaço para a globalização da indiferença». Resumo:
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Introdução
O Título
– «Louvado Sejas» (LS 1) assim se intitula a encíclica de carácter ecológico do
Santo Padre que escolheu o nome Francisco em referência a S. Francisco de
Assis. Este Santo da Idade Média iniciava o «Cântico das Criaturas» com as
palavras que agora dão título a esta encíclica. «Neste gracioso cântico,
recordava-nos que a nossa casa comum se pode comparar ora a uma irmã, com quem
partilhamos a existência, ora a uma boa mãe, que nos acolhe nos seus braços»
(LS 1).
A intervenção humana
– A irmã e mãe terra que «clama contra o mal que lhe provocamos por causa do
uso irresponsável e do abuso dos bens que Deus nela colocou» (LS 2).
Verifica-se uma notável preocupação para com a atitude humana que várias vezes
o Papa caracteriza de «irresponsável» (LS 1) e «descontrolada» (LS 4) motivadora
de «abuso» (LS 2), «violência» (LS 2) e «pecado» (LS 2): «A violência, que está
no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos sintomas de doença que
notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos» (LS 2).
A quem se dirige?
– O Santo Padre referencia os destinatários desta carta inspirando-se no
exemplo de São João Paulo II. Diz: «quero dirigir-me a cada pessoa que habita
neste planeta» (LS 3) e ainda «pretendo entrar em diálogo com todos acerca da
nossa casa comum» (LS 3). Os destinatários desta carta são, não só o mundo
católico, mas todas as pessoas de boa vontade (cf. LS 3).
Citando os seus antessabores
– O Papa não deixa de lembrar que a problemática ecológica não é nova no
contexto da Igreja. Cita por isso o Beato Paulo VI [2]
que se referiu «à problemática ecológica, apresentando-a como uma crise que é
“consequência dramática” da atividade descontrolada do ser humano: “Por motivo
de uma exploração inconsiderada da natureza, [o ser humano] começa a correr o
risco de a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação”».
Apoiado no mesmo antecessor, sublinha a «“necessidade urgente de uma mudança
radical no comportamento da humanidade”».
Cita
João Paulo II que, «na sua primeira encíclica, advertiu que o ser humano parece
“não dar-se conta de outros significados do seu ambiente natural, para além
daqueles que servem somente para os fins de uso ou consumo imediatos”» (LS 5).
Tal como Paulo VI, também este «convidou a uma conversão ecológica global»[3]
que «requer mudanças profundas “nos estilos de vida, nos modelos de produção e
de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que hoje regem as
sociedades”» (LS 5).
Conclui
citando Bento XVI que «renovou o convite a “eliminar as causas estruturais das
disfunções da economia mundial corrigir os modelos de crescimento que parecem
incapazes de garantir o respeito do meio ambiente”» (LS 6) e a «reconhecer que
o ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso comportamento
irresponsável» (LS 6). Evidencia o risco que a criação corre no momento «“onde
nós mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa
propriedade”»[4],
um egocentrismo e ateísmo em que «”já não reconhecemos qualquer instância acima
de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos”»[5].
Preocupação transversal a todas as
religiões – O Santo Padre une a sua voz não só à dos seus
predecessores mas também ao que tem sido produzido «noutras Igrejas e
Comunidades cristãs – bem como noutras religiões» (LS 7) onde «se tem
desenvolvido uma profunda preocupação e uma reflexão valiosa sobre estes temas
que a todos nos estão a peito» (LS 7). Exemplo disso é o do Patriarca Ecuménico
Bartolomeu que «tem-se referido particularmente à necessidade de cada um se
arrepender do próprio modo de maltratar o planeta, porque “todos, na medida em
que causamos pequenos danos ecológicos”, somos chamados a reconhecer “a nossa
contribuição – pequena ou grande – para a desfiguração e destruição do
ambiente”» e «porque “um crime contra a natureza é um crime contra nós mesmos e
um pecado contra Deus”» (LS 8).
São Francisco de
Assis - inspirou o Papa no
momento da sua eleição para Bispo de Roma, e na redação desta carta
encíclica. Por isso ele elenca algumas das suas qualidades: «é o exemplo por
excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida com
alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de todos os que estudam e
trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos.
Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e
abandonados. Amava e era amado pela sua alegria, a sua dedicação generosa, o
seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade
e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo
mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza,
a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior» (LS
10). «A sua reação ultrapassava de longe uma mera avaliação intelectual ou um
cálculo económico, porque, para ele, qualquer criatura era uma irmã, unida a
ele por laços de carinho. Por isso, sentia-se chamado a cuidar de tudo o que
existe. São Boaventura, seu discípulo, contava que ele, “enchendo-se da maior
ternura ao considerar a origem comum de todas as coisas, dava a todas as
criaturas – por mais desprezíveis que parecessem – o doce nome de irmãos e
irmãs”. Esta convicção não pode ser desvalorizada como romantismo irracional,
pois influi nas opções que determinam o nosso comportamento. Se nos aproximarmos
da natureza e do meio ambiente sem esta abertura para a admiração e o encanto,
se deixarmos de falar a língua da fraternidade e da beleza na nossa relação com
o mundo, então as nossas atitudes serão as do dominador, do consumidor ou de um
mero explorador dos recursos naturais, incapaz de pôr um limite aos seus
interesses imediatos. Pelo contrário, se nos sentirmos intimamente unidos a
tudo o que existe, então brotarão de modo espontâneo a sobriedade e a
solicitude» (LS 11).
Depende de Todos
– O Santo Padre convida todos a dar o seu contributo: «Como disseram os bispos
da África do Sul, “são necessários os talentos e o envolvimento de todos para
reparar o dano causado pelos humanos sobre a criação de Deus”. Todos podemos
colaborar, como instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir
da sua cultura, experiência, iniciativas e capacidades» (LS 13).
Capítulo I – O
QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA
Rápidas/Lentas
mudanças - O Papa recorda que
«a contínua aceleração das mudanças na humanidade e no planeta junta-se, hoje,
à intensificação dos ritmos de vida e trabalho» (LS 18). Essa velocidade das
ações «humanas contrasta com a lentidão natural da evolução biológica. A isto
vem juntar-se o problema de que os objetivos desta mudança rápida e constante
não estão necessariamente orientados para o bem comum e para um desenvolvimento
humano sustentável e integral» (LS 18). No meio desse reboliço social nota-se,
no entanto, «uma crescente sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao
cuidado da natureza, e cresce uma sincera e sentida preocupação pelo que está a
acontecer ao nosso planeta» (LS 18). O Santo Padre propõe a que façamos uma
resenha de informação, ainda que incompleta, cujo «objetivo não é recolher
informações ou satisfazer a nossa curiosidade, mas tomar dolorosa consciência,
ousar transformar em sofrimento pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim,
reconhecer a contribuição que cada um lhe pode dar» (LS 18).
1. POLUIÇÃO
E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
(Poluição, resíduos e cultura
do descarte)
O Santo Padre elenca os vários
tipos de poluição. -
Começa por falar sobre os poluentes atmosféricos que produzem «uma vasta gama
de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais pobres, e provocam milhões
de mortes prematuras. Adoecem, por exemplo, por causa da inalação de elevadas
quantidades de fumo produzido pelos combustíveis utilizados para cozinhar ou
aquecer-se. A isto vem juntar-se a poluição que afeta a todos, causada pelo
transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de substâncias que
contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos fertilizantes,
inseticidas, fungicidas, pesticidas e agro-tóxicos em geral» (LS 20). Prossegue
apresentando a «poluição produzida pelos resíduos, incluindo os perigosos
presentes em variados ambientes. Produzem-se anualmente centenas de milhões de
toneladas de resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e
comerciais, detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrónicos e
industriais, resíduos altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa,
parece transformar-se cada vez mais num imenso depósito de lixo. Em muitos
lugares do planeta, os idosos recordam com saudade as paisagens de outrora, que
agora vêm submersas de lixo. Tanto os resíduos industriais como os produtos
químicos utilizados nas cidades e nos campos podem produzir um efeito de
bioacumulação nos organismos dos moradores nas áreas limítrofes, que se
verifica mesmo quando é baixo o nível de presença dum elemento tóxico num
lugar. Muitas vezes só se adotam medidas quando já se produziram efeitos
irreversíveis na saúde das pessoas» (LS 21).
A
origem destes problemas com os resíduos é muitas vezes a «cultura do descarte,
que afeta tanto os seres humanos excluídos como as coisas que se convertem
rapidamente em lixo. Note-se, por exemplo, como a maior parte do papel
produzido se desperdiça sem ser reciclado» (LS 22). Importa pois olhar o bom
exemplo que nos dá o próprio funcionamento dos ecossistemas naturais: «as
plantas sintetizam substâncias nutritivas que alimentam os herbívoros; estes,
por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem significativas quantidades de
resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova geração de vegetais. Ao
contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de produção e consumo, não
desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos e escórias» (LS 22).
(O
clima como bem comum)
Aquecimento
Global - «Estamos perante um
preocupante aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas, este
aquecimento foi acompanhado por uma elevação constante do nível do mar, sendo
difícil não o relacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos
extremos» (LS 23). «Numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do
aquecimento global das últimas décadas é devida à alta concentração de gases
com efeito de estufa (anidrido carbónico, metano, óxido de azoto, e outros)
emitidos sobretudo por causa da atividade humana» (LS 23). O efeito de estufa é
«agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado no uso intensivo de
combustíveis fósseis, que está no centro do sistema energético mundial» (LS 23)
e na desflorestação. Este acumular de gases com efeito de estufa «incidirá sobre
a disponibilidade de recursos essenciais como a água potável, a energia e a
produção agrícola das áreas mais quentes e provocará a extinção de parte da
biodiversidade do planeta. O derretimento das calotas polares e dos glaciares a
grande altitude ameaça com uma libertação, de alto risco, de gás metano, e a
decomposição da matéria orgânica congelada poderia acentuar ainda mais a
emissão de anidrido carbónico. Entretanto a perda das florestas tropicais piora
a situação, pois estas ajudam a mitigar a mudança climática. A poluição
produzida pelo anidrido carbónico aumenta a acidez dos oceanos e compromete a
cadeia alimentar marinha. Se a tendência atual se mantiver, este século poderá
ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e duma destruição sem
precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para todos nós. Por
exemplo, a subida do nível do mar pode criar situações de extrema gravidade, se
se considera que um quarto da população mundial vive à beira-mar ou muito perto
dele, e a maior parte das megacidades estão situadas em áreas costeiras» (LS
24).
Além da degradação ambiental o Papa cita outros
fenómenos desenrolados devido as alterações climáticas: Migração de pessoas,
animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se e integrar-se no novo
contexto, acentuação da miséria dos mais pobres, tragédias perante as quais se
verifica cada vez mais uma «indiferença geral» (LS 25), «sinal da perda do
sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se funda toda
a sociedade civil» (LS 25). O Papa denuncia que «muitos daqueles que detêm mais
recursos e poder económico ou político parecem concentrar-se sobretudo em
mascarar os problemas ou ocultar os seus sintomas, procurando apenas reduzir
alguns impactos negativos de mudanças climáticas» (LS 26). Em compensação,
alerta para a urgência da redução de emissões de gases poluentes e incentiva a
que isso se faça «substituindo os combustíveis fósseis e desenvolvendo fontes
de energia renovável» (LS 26).
2. A QUESTÃO DA
ÁGUA
Água e pobreza - O Papa relembra a finitude dos recursos naturais
e a «impossibilidade de sustentar o nível atual de consumo dos países mais
desenvolvidos e dos sectores mais ricos da sociedade, onde o hábito de
desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos» (LS 27). A água é um recurso indispensável cujo nível
de procura, por vezes, já excede a oferta sustentável é a água potável.
Enquanto numas regiões ainda é um bem abundante e muitas vezes desperdiçado,
noutros (especialmente na África) a sua escassez compromete gravemente a vida
das populações (cf. LS 28). São os mais pobres os que mais sofrem devido à
fraca qualidade da água ou da sua indisponibilidade. O Papa realça o sofrimento
e mortalidade, resultantes das doenças relacionadas com a água, incluindo as
motivadas por microorganismos e substâncias químicas (LS 29) e aleta: «Este
mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água
potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade
inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições
económicas para prover de água limpa e saneamento as populações mais pobres»
(LS 30).
3. PERDA DE
BIODIVERSIDADE
Extinção de espécies
- «A perda de florestas e bosques implica simultaneamente a perda de espécies
que poderiam constituir, no futuro, recursos extremamente importantes não só
para a alimentação mas também para a cura de doenças e vários serviços» (LS
31). «Entretanto não basta pensar nas diferentes espécies apenas como eventuais
«recursos» exploráveis, esquecendo que possuem um valor em si mesmas.
Anualmente, desaparecem milhares de espécies vegetais e animais, que já não
poderemos conhecer, que os nossos filhos não poderão ver, perdidas para sempre.
A grande maioria delas extingue-se por razões que têm a ver com alguma
atividade humana. Por nossa causa, milhares de espécies já não darão glória a
Deus com a sua existência, nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem»
(LS 33).
Conservação
- O ser humano deve procurar intervir nos ecossistemas no intuito de resolver
alguns desequilíbrios provocados, normalmente, pela sua atividade. Há, no
entanto, que ter presente que essas soluções que por um lado resolvem alguns
problemas são indutoras de outros e isto, pode tornar-se num círculo vicioso.
«São louváveis e, às vezes, admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que
procuram dar solução aos problemas criados pelo ser humano. Mas, contemplando o
mundo, damo-nos conta de que este nível de intervenção humana, muitas vezes ao
serviço da finança e do consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se
torne realmente menos rica e bela, cada vez mais limitada e cinzenta» (LS 34). Intervenções
que tornam menos belo o nosso planeta são, por exemplo, «as estradas, os novos
cultivos, as reservas, as barragens e outras construções vão tomando posse dos
habitats e, por vezes, fragmentam-nos de tal maneira que as populações de
animais já não podem migrar nem mover-se livremente, pelo que algumas espécies
correm o risco de extinção» (LS 35).
Torna-se
essencial mudar o nosso agir para com os ecossistemas que se oriente segundo
uma «perspetiva que se estenda para além do imediato, porque, quando se busca
apenas um ganho económico rápido e fácil, já ninguém se importa realmente com a
sua preservação» (LS 36). O Papa aponta como sendo uma boa iniciativa, que deve
ser multiplicada, a criação de reservas naturais onde haja uma maior
preocupação pela preservação do ecossistema (cf. LS 37).
Recorda-se
também a intervenção humana nos rios e mares como igualmente responsável pela
perda de diversidade. À cerca desta questão, citando a Conferência dos Bispos
Católicos das Filipinas, o Papa interroga: «“Quem
transformou o maravilhoso mundo marinho em cemitérios subaquáticos despojados
de vida e de cor?”»[6].
4. DETERIORAÇÃO
DA QUALIDADE DE VIDA HUMANA E DEGRADAÇÃO SOCIAL
Sociedade do
descarte - O Para Francisco
lembra-nos que a atual sociedade de consumo descarta tudo, até o próprio ser
humano portador de especial dignidade (cf. LS 43). O ser humano vive cada vez
mais isolado, fechado em si. Os Humanos estão cada vez mais privado do contacto
com o resto criação (humanidade e natureza), isto porque estão «cada vez mais
submersos de cimento, asfalto, vidro e metais» (LS 44).
Nem tudo nos últimos dois séculos significou, em
todos os seus aspetos, um verdadeiro progresso integral e uma melhoria da
qualidade de vida. Há cada vez mais feridas que propiciam uma «silenciosa
rutura dos vínculos de integração e comunhão social» (LS 46). São exemplo disso
«os efeitos laborais dalgumas inovações tecnológicas, a exclusão social, a
desigualdade no fornecimento e consumo da energia e doutros serviços, a
fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas formas de
agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os
mais jovens, a perda de identidade» (LS 46).
O Santo Padre lembra também os efeitos dos novos
meios de comunicação nas relações sociais: «Os meios atuais permitem-nos comunicar
e partilhar conhecimentos e afetos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar
contacto direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a
complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos
o facto de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma
profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo
isolamento» (LS 47).
5. DESIGUALDADE
PLANETÁRIA
O Papa lembra que não podemos
escutar o clamor da terra e esquecer o humanos dos desfavorecidos: «Não Podemos
deixar de reconhecer que deixar de reconhecer que uma verdadeira abordagem ecológica sempre se torna uma abordagem social,
que deve integrar a justiça nos debates sobre o meio ambiente, para ouvir tanto o clamor da terra como o clamor dos
pobres» (LS 49).
Perante a densidade demográfica
que se verifica em alguns países e perante aqueles que procuram inibir a
natalidade o Papa aconselha: «se é verdade que a desigual distribuição da
população e dos recursos disponíveis cria obstáculos ao desenvolvimento e ao
uso sustentável do ambiente, deve-se reconhecer que o crescimento demográfico é
plenamente compatível com um desenvolvimento integral e solidário»[7] e
«Culpar o incremento demográfico em vez do
consumismo exacerbado e seletivo de alguns é uma forma de não enfrentar os
problemas« (LS 50).
Concluindo, o Papa
lembra que «a desigualdade não afeta apenas os indivíduos, mas países inteiros,
e obriga a pensar numa ética das relações internacionais» (LS 51). «É preciso
revigorar a consciência de que somos uma única família humana. Não há
fronteiras nem barreiras políticas ou sociais que permitam isolar-nos e, por
isso mesmo, também não há espaço para a globalização da indiferença» (LS 52).
[1] Papa Francisco, «Carta Encíclica Laudato Si´. Sobre o
cuidado da casa comum», (24 de maio de 2015) in: AAS 107 (2015). De agora em diante este documento passa a
citar-se no corpo do texto pela sigla LS.
[2] Discurso à FAO, no seu XXV aniversário (16 de Novembro de 1970), 4: AAS 62 (1970), 833; L’Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 22/XI/1970), 6.
[3] Cf. Catequese (17 de Janeiro de 2001), 4: Insegnamenti
24/1 (2001), 179; L´Osservatore Romano (ed. portuguesa de
20/I/2001), 8.
[4] Bento XVI, Discurso ao clero da diocese de
Bolzano-Bressanone (6 de Agosto de 2008): AAS 100 (2008), 634; L’Osservatore
Romano (ed. portuguesa de 16/VIII/2008), 5.
[5] Ibidem.
[6] Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas, Carta
pastoral What is Happening to our Beautiful Land? (29 de Janeiro de
1988).
[7]
PontifíCio Conselho «Justiça e Paz », Compêndio
da Doutrina Social da Igreja, 483.~
Resumo dos pontos 1 a 47 da encíclica “Laudato Si” do Santo Padre
Francisco
Introdução
1 – «Louvado Sejas» assim se
intitula a encíclica de carácter ecológico do Santo Padre que escolheu o nome
Francisco em referência a S. Francisco de Assis. Este Santo da Idade Média
iniciava o «Cântico das Criaturas» com as palavras que agora dão título a esta
encíclica: «Neste gracioso cântico, recordava-nos que a nossa casa comum se
pode comparar ora a uma irmã, com quem partilhamos a existência, ora a uma boa
mãe, que nos acolhe nos seus braços».
2 – Neste ponto Francisco, Papa,
vem introduzir o que vai avultar com este documento: A irmã e mãe terra que
«clama contra o mal que lhe provocamos por causa do uso irresponsável e do
abuso dos bens que Deus nela colocou». Verifica-se uma notável preocupação para
com a atitude humana que várias vezes o Papa caracteriza de «irresponsável» e
«descontrolada» (LS 4) motivadora de «abuso» (LS 2) «violência» e «pecado»: «A
violência, que está no coração humano ferido pelo pecado, vislumbra-se nos
sintomas de doença que notamos no solo, na água, no ar e nos seres vivos» (LS
2).
3 – É neste ponto que o Santo
Padre faz referência aos destinatários desta carta, inspirando-se no exemplo de
São João Paulo II, diz: «quero dirigir-me a cada pessoa que habita neste
planeta» e ainda «pretendo entrar em diálogo com todos acerca da nossa casa
comum». Os destinatários desta carta são não só o mundo católico mas todas as
pessoas de boa vontade.
4 – O Papa não deixa de lembrar
que, embora de urgente necessidade atual, a problemática ecológica não é nova
no contexto da Igreja. Cita por isso o Beato Paulo VI que se referiu «à
problemática ecológica, apresentando-a como uma crise que é “consequência
dramática” da atividade descontrolada do ser humano: “Por motivo de uma
exploração inconsiderada da natureza, [o ser humano] começa a correr o risco de
a destruir e de vir a ser, também ele, vítima dessa degradação”», «sublinhando
a “necessidade urgente de uma mudança radical no comportamento da humanidade».
5 – Segue citando também São João
Paulo II que, «na sua primeira encíclica, advertiu que o ser humano parece “não
dar-se conta de outros significados do seu ambiente natural, para além daqueles
que servem somente para os fins de uso ou consumo imediatos”». Tal como Paulo VI,
também este «convidou a uma conversão
ecológica global» que «requer mudanças profundas “nos estilos de vida, nos
modelos de produção e de consumo, nas estruturas consolidadas de poder, que
hoje regem as sociedades”».
6 – Concluir este alicerçar nas
palavras dos seus antecessores citando Bento XVI que «renovou o convite a
“eliminar as causas estruturais das disfunções da economia mundial corrigir os
modelos de crescimento que parecem incapazes de garantir o respeito do meio ambiente”»
e a «reconhecer que o ambiente natural está cheio de chagas causadas pelo nosso
comportamento irresponsável». Salienta o risco que a criação corre «”onde nós
mesmos somos a última instância, onde o conjunto é simplesmente nossa
propriedade”» um egocentrismo e ateísmo em que «”já não reconhecemos qualquer
instância acima de nós, mas vemo-nos unicamente a nós mesmos”».
7
– O Santo Padre Francisco une a sua voz não só à dos seus predecessores mas
também ao que tem sido produzido «noutras Igrejas e Comunidades cristãs – bem
como noutras religiões» onde «se tem desenvolvido uma profunda preocupação e
uma reflexão valiosa sobre estes temas que a todos nos estão a peito».
8 – Exemplo disso é o do
Patriarca Ecuménico Bartolomeu que «tem-se referido particularmente à
necessidade de cada um se arrepender do próprio modo de maltratar o planeta,
porque “todos, na medida em que causamos pequenos danos ecológicos”, somos
chamados a reconhecer “a nossa contribuição – pequena ou grande – para a desfiguração
e destruição do ambiente”» e «porque “um crime contra a natureza é um crime
contra nós mesmos e um pecado contra Deus”».
9 - «Bartolomeu chamou a atenção
para as raízes éticas e espirituais dos problemas ambientais, que nos convidam
a encontrar soluções não só na técnica mas também numa mudança do ser humano;
caso contrário, estaríamos a enfrentar apenas os sintomas. Propôs-nos passar do
consumo ao sacrifício, da avidez à generosidade, do desperdício à capacidade de
partilha, numa ascese que “significa aprender a dar, e não simplesmente
renunciar. É um modo de amar, de passar pouco a pouco do que eu quero àquilo de
que o mundo de Deus precisa”».
10 – Neste momento, o Papa
Francisco invoca S. Francisco de Assis, santo que o inspirou no momento da sua
eleição para Bispo de Roma, elencando algumas das suas qualidades: «é o exemplo
por excelência do cuidado pelo que é frágil e por uma ecologia integral, vivida
com alegria e autenticidade. É o santo padroeiro de todos os que estudam e
trabalham no campo da ecologia, amado também por muitos que não são cristãos.
Manifestou uma atenção particular pela criação de Deus e pelos mais pobres e
abandonados. Amava e era amado pela sua alegria, a sua dedicação generosa, o
seu coração universal. Era um místico e um peregrino que vivia com simplicidade
e numa maravilhosa harmonia com Deus, com os outros, com a natureza e consigo
mesmo. Nele se nota até que ponto são inseparáveis a preocupação pela natureza,
a justiça para com os pobres, o empenhamento na sociedade e a paz interior».
11 - «A sua reacção ultrapassava de
longe uma mera avaliação intelectual ou um cálculo económico, porque, para ele,
qualquer criatura era uma irmã, unida a ele por laços de carinho. Por isso,
sentia-se chamado a cuidar de tudo o que existe. São Boaventura, seu discípulo,
contava que ele, “enchendo-se da maior ternura ao considerar a origem comum de
todas as coisas, dava a todas as criaturas – por mais desprezíveis que parecessem
– o doce nome de irmãos e irmãs”. Esta convicção não pode ser desvalorizada
como romantismo irracional, pois influi nas opções que determinam o nosso
comportamento. Se nos aproximarmos da natureza e do meio ambiente sem esta
abertura para a admiração e o encanto, se deixarmos de falar a língua da
fraternidade e da beleza na nossa relação com o mundo, então as nossas atitudes
serão as do dominador, do consumidor ou de um mero explorador dos recursos naturais,
incapaz de pôr um limite aos seus interesses imediatos. Pelo contrário, se os
sentirmos intimamente unidos a tudo o que existe, então brotarão de modo
espontâneo a sobriedade e a solicitude».
12 – Francisco de Assis
«propõe-nos reconhecer a natureza como um livro esplêndido onde Deus nos fala e
transmite algo da sua beleza e bondade: “Na grandeza e na beleza das criaturas,
contempla-se, por analogia, o seu Criador” (Sab 13, 5) e “o que é invisível
n’Ele – o seu eterno poder e divindade – tornou-se visível à inteligência,
desde a criação do mundo, nas suas obras” (Rm 1, 20)».
13 – Aqui o Santo Padre convida
todos a dar o seu contributo: «Como disseram os bispos da África do Sul, “são
necessários os talentos e o envolvimento de todos para reparar o dano causado
pelos humanos sobre a criação de Deus”. Todos podemos colaborar, como
instrumentos de Deus, no cuidado da criação, cada um a partir da sua cultura,
experiência, iniciativas e capacidades».
14 – Neste ponto é descrito como
será constituído o corpo da encíclica: Primeiro «farei uma breve resenha dos
vários aspetos da atual crise ecológica, com o objetivo de assumir os melhores
frutos da pesquisa científica atualmente disponível, deixar-se tocar por ela em
profundidade e dar uma base concreta ao percurso ético e espiritual seguido. A
partir desta panorâmica, retomarei algumas argumentações que derivam da
tradição judaico-cristã, a fim de dar maior coerência ao nosso compromisso com
o meio ambiente. Depois procurarei chegar às raízes da situação atual, de modo
a individuar não apenas os seus sintomas, mas também as causas mais profundas.
Poderemos assim propor uma ecologia que, nas suas várias dimensões, integre o
lugar específico que o ser humano ocupa neste mundo e as suas relações com a
realidade que o rodeia. À luz desta reflexão, quereria dar mais um passo, verificando
algumas das grandes linhas de diálogo e de ação que envolvem seja cada um de nós
seja a política internacional. Finalmente, convencido – como estou – de que
toda a mudança tem necessidade de motivações e dum caminho educativo, proporei
algumas linhas de maturação humana inspiradas no tesouro da experiência
espiritual cristã».
16 – Embora cada capítulo
contenha a sua temática há temas que são várias vezes retomados e enriquecidos,
por exemplo: «a relação íntima entre os pobres e a fragilidade do planeta, a
convicção de que tudo está estreitamente interligado no mundo, a crítica do
novo paradigma e das formas de poder que derivam da tecnologia, o convite a
procurar outras maneiras de entender a economia e o progresso, o valor próprio
de cada criatura, o sentido humano da ecologia, a necessidade de debates sinceros
e honestos, a grave responsabilidade da política internacional e local, a
cultura do descarte e a proposta dum novo estilo de vida».
Capítulo I – O
QUE ESTÁ A ACONTECER À NOSSA CASA
17 – Neste momento o Papa
fala-nos da necessidade de fundar as reflexões teológicas ou filosóficas sobre a
situação da humanidade num confronto com o contexto atual no que este tem de
inédito para a história da humanidade.
18 - «A contínua aceleração das
mudanças na humanidade e no planeta junta-se, hoje, à intensificação dos ritmos
de vida e trabalho». Essa velocidade das ações «humanas contrasta com a
lentidão natural da evolução biológica. A isto vem juntar-se o problema de que
os objetivos desta mudança rápida e constante não estão necessariamente
orientados para o bem comum e para um desenvolvimento humano sustentável e
integral».
19 – Já se nota «uma crescente
sensibilidade relativamente ao meio ambiente e ao cuidado da natureza, e cresce
uma sincera e sentida preocupação pelo que está a acontecer ao nosso planeta». O
Santo Padre propõe a que façamos uma resenha de informação, ainda que
incompleta, cujo «objetivo não é recolher informações ou satisfazer a nossa
curiosidade, mas tomar dolorosa consciência, ousar transformar em sofrimento
pessoal aquilo que acontece ao mundo e, assim, reconhecer a contribuição que
cada um lhe pode dar».
1. POLUIÇÃO
E MUDANÇAS CLIMÁTICAS
(Poluição, resíduos e cultura
do descarte)
20 – Aqui o Papa começa a elencar
os vários tipos de poluição. Começa por falar sobre os poluentes atmosféricos que
produzem «uma vasta gama de efeitos sobre a saúde, particularmente dos mais
pobres, e provocam milhões de mortes prematuras. Adoecem, por exemplo, por
causa da inalação de elevadas quantidades de fumo produzido pelos combustíveis
utilizados para cozinhar ou aquecer-se. A isto vem juntar-se a poluição que afeta
a todos, causada pelo transporte, pelos fumos da indústria, pelas descargas de
substâncias que contribuem para a acidificação do solo e da água, pelos
fertilizantes, inseticidas, fungicidas, pesticidas e agro-tóxicos em geral».
21 – Prossegue apresentando a
«poluição produzida pelos resíduos, incluindo os perigosos presentes em
variados ambientes. Produzem-se anualmente centenas de milhões de toneladas de
resíduos, muitos deles não biodegradáveis: resíduos domésticos e comerciais,
detritos de demolições, resíduos clínicos, eletrónicos e industriais, resíduos
altamente tóxicos e radioativos. A terra, nossa casa, parece transformar-se
cada vez mais num imenso depósito de lixo. Em muitos lugares do planeta, os
idosos recordam com saudade as paisagens de outrora, que agora vêm submersas de
lixo. Tanto os resíduos industriais como os produtos químicos utilizados nas
cidades e nos campos podem produzir um efeito de bioacumulação nos organismos
dos moradores nas áreas limítrofes, que se verifica mesmo quando é baixo o
nível de presença dum elemento tóxico num lugar. Muitas vezes só se adotam
medidas quando já se produziram efeitos irreversíveis na saúde das pessoas».
22 – A origem destes problemas
com os resíduos é muitas vezes a «cultura do descarte, que afeta tanto os seres
humanos excluídos como as coisas que se convertem rapidamente em lixo. Note-se,
por exemplo, como a maior parte do papel produzido se desperdiça sem ser
reciclado». Importa pois olhar o bom exemplo que nos dá o próprio funcionamento
dos ecossistemas naturais: «as plantas sintetizam substâncias nutritivas que
alimentam os herbívoros; estes, por sua vez, alimentam os carnívoros que fornecem
significativas quantidades de resíduos orgânicos, que dão origem a uma nova
geração de vegetais. Ao contrário, o sistema industrial, no final do ciclo de
produção e consumo, não desenvolveu a capacidade de absorver e reutilizar resíduos
e escórias».
(O
clima como bem comum)
23 – «Estamos perante um preocupante
aquecimento do sistema climático. Nas últimas décadas, este aquecimento foi
acompanhado por uma elevação constante do nível do mar, sendo difícil não o
relacionar ainda com o aumento de acontecimentos meteorológicos extremos».
«Numerosos estudos científicos indicam que a maior parte do aquecimento global
das últimas décadas é devida à alta concentração de gases com efeito de estufa (anidrido
carbónico, metano, óxido de azoto, e outros) emitidos sobretudo por causa da atividade
humana». O efeito de estufa é «agravado pelo modelo de desenvolvimento baseado
no uso intensivo de combustíveis fósseis, que está no centro do sistema
energético mundial» e na desflorestação.
24 – Este acumular de gases com
efeito de estufa «incidirá sobre a disponibilidade de recursos essenciais como
a água potável, a energia e a produção agrícola das áreas mais quentes e
provocará a extinção de parte da biodiversidade do planeta. O derretimento das
calotas polares e dos glaciares a grande altitude ameaça com uma libertação, de
alto risco, de gás metano, e a decomposição da matéria orgânica congelada
poderia acentuar ainda mais a emissão de anidrido carbónico. Entretanto a perda
das florestas tropicais piora a situação, pois estas ajudam a mitigar a mudança
climática. A poluição produzida pelo anidrido carbónico aumenta a acidez dos
oceanos e compromete a cadeia alimentar marinha. Se a tendência atual se
mantiver, este século poderá ser testemunha de mudanças climáticas inauditas e
duma destruição sem precedentes dos ecossistemas, com graves consequências para
todos nós. Por exemplo, a subida do nível do mar pode criar situações de
extrema gravidade, se se considera que um quarto da população mundial vive à
beira-mar ou muito perto dele, e a maior parte das megacidades estão situadas
em áreas costeiras».
25 – Além da degradação ambiental
o Papa cita outros fenómenos desenrolados devido as alterações climáticas:
Migração de pessoas, animais e vegetais que nem sempre conseguem adaptar-se e
integrar-se no novo contexto, acentuação da miséria dos mais pobres, tragédias
perante as quais se verifica cada vez mais uma «indiferença geral», «sinal da
perda do sentido de responsabilidade pelos nossos semelhantes, sobre o qual se
funda toda a sociedade civil».
26 – O Papa neste ponto denuncia
que «muitos daqueles que detêm mais recursos e poder económico ou político
parecem concentrar-se sobretudo em mascarar os problemas ou ocultar os seus
sintomas, procurando apenas reduzir alguns impactos negativos de mudanças
climáticas». Em compensação alerta para a urgência da redução de emissões de
gases poluentes e incentiva a que isso se faça «substituindo os combustíveis
fósseis e desenvolvendo fontes de energia renovável».
2. A QUESTÃO DA
ÁGUA
27 – Aqui o Papa relembra a finitude
dos recursos naturais e a «impossibilidade de sustentar o nível atual de
consumo dos países mais desenvolvidos e dos sectores mais ricos da sociedade,
onde o hábito de desperdiçar e jogar fora atinge níveis inauditos», consumo
esse que não conseguiu por termo à pobreza.
28 – Um recurso indispensável
cujo nível de procura, por vezes, já excede a oferta sustentável é a água
potável. Enquanto numas regiões ainda é um bem abundante e muitas vezes
desperdiçado, noutros (especialmente na África) a sua escassez compromete
gravemente a vida das populações.
29 – São os mais pobres os que
mais sofrem devido à fraca qualidade da água disponível. O Papa realça o
sofrimento e mortalidade, resultantes das doenças relacionadas com a água,
incluindo as motivadas por microorganismos e substâncias químicas.
30 – O Santo Padre alerta: «Este
mundo tem uma grave dívida social para com os pobres que não têm acesso à água
potável, porque isto é negar-lhes o direito à vida radicado na sua dignidade
inalienável. Esta dívida é parcialmente saldada com maiores contribuições
económicas para prover de água limpa e saneamento as populações mais pobres».
31 – A escassez da água potável
faz antever um encarecer dos produtos alimentares. Também o controlo deste
recurso natural, que em muitas regiões está a ser privatizado, por parte de
grandes empresas será uma possível fonte de conflitos.
3. PERDA DE
BIODIVERSIDADE
32 - «A perda de florestas e
bosques implica simultaneamente a perda de espécies que poderiam constituir, no
futuro, recursos extremamente importantes não só para a alimentação mas também
para a cura de doenças e vários serviços».
33 - «Entretanto não basta pensar
nas diferentes espécies apenas como eventuais «recursos» exploráveis,
esquecendo que possuem um valor em si mesmas. Anualmente, desaparecem milhares
de espécies vegetais e animais, que já não poderemos conhecer, que os nossos
filhos não poderão ver, perdidas para sempre. A grande maioria delas
extingue-se por razões que têm a ver com alguma atividade humana. Por nossa
causa, milhares de espécies já não darão glória a Deus com a sua existência,
nem poderão comunicar-nos a sua própria mensagem».
34 – Embora o ser humano deva
procurar intervir nos ecossistemas no intuito de resolver alguns desequilíbrios
provocados, normalmente, pela sua atividade, há que ter presente que essas
soluções que por um lado resolvem alguns problemas são indutoras de outros e
isto, pode tornar-se num círculo vicioso. «São louváveis e, às vezes,
admiráveis os esforços de cientistas e técnicos que procuram dar solução aos
problemas criados pelo ser humano. Mas, contemplando o mundo, damo-nos conta de
que este nível de intervenção humana, muitas vezes ao serviço da finança e do
consumismo, faz com que esta terra onde vivemos se torne realmente menos rica e
bela, cada vez mais limitada e cinzenta, enquanto ao mesmo tempo o
desenvolvimento da tecnologia e das ofertas de consumo continua a avançar sem
limites».
35 – Intervenções que tornam a
menos belo o nosso planeta são por exemplo «as estradas, os novos cultivos, as
reservas, as barragens e outras construções vão tomando posse dos habitats e, por
vezes, fragmentam-nos de tal maneira que as populações de animais já não podem
migrar nem mover-se livremente, pelo que algumas espécies correm o risco de
extinção».
36 – Torna-se essencial mudar o
nosso agir para com os ecossistemas que se oriente segundo uma «perspetiva que
se estenda para além do imediato, porque, quando se busca apenas um ganho
económico rápido e fácil, já ninguém se importa realmente com a sua preservação».
37 – O Papa aponta como sendo uma
boa iniciativa, que deve ser multiplicada, a criação de reservas naturais onde
haja uma maior preocupação pela preservação do ecossistema.
38 – O Papa lembra como locais
que devem ser especialmente preservados «a Amazónia e a bacia fluvial do Congo,
ou os grandes lençóis freáticos e os glaciares» devido à sua grande
diversidade, complexidade e importância para o planeta e para a humanidade.
39 – O Papa lembra que a
intervenção humana, por exemplo as monoculturas ou a transformação de terrenos
em vista ao cultivo, como causa de uma destruição da diversidade e perda de
espécies autóctones.
40 – Recorda-se também a
intervenção humana nos rios e mares como igualmente responsável pela perda de
diversidade.
41 – A cerca desta questão,
citando a Conferência dos Bispos Católicos das Filipinas, o Papa interroga: «”Quem transformou o maravilhoso mundo marinho em
cemitérios subaquáticos despojados de vida e de cor? “».
42 - «Visto que
todas as criaturas estão interligadas, deve ser reconhecido com carinho e
admiração o valor de cada uma, e todos nós, seres criados, precisamos uns dos
outros. Cada território detém uma parte de responsabilidade no cuidado desta
família, pelo que deve fazer um inventário cuidadoso das espécies que alberga a
fim de desenvolver programas e estratégias de proteção, cuidando com particular
solicitude das espécies em vias de extinção».
4. DETERIORAÇÃO
DA QUALIDADE DE VIDA HUMANA E DEGRADAÇÃO SOCIAL
43 – O Para Francisco lembra-nos
que a atual sociedade de consumo descarta tudo, até o próprio ser humano
portador de especial dignidade.
44 – O ser humano vive cada vez
mais isolado, fechado em si. O Homem é cada vez mais privado do contacto com o
resto criação (humanidade e natureza), isto porque está «cada vez mais
submersos de cimento, asfalto, vidro e metais».
45 – O Papa realça que há cada
vez mais espaços naturais de grande beleza a ser privatizados e reservados a
cada vez menos pessoas. Normalmente são os mais desfavorecidos da sociedade que
são inibidos do contacto com essas áreas.
46 – Nem tudo nos últimos dois
séculos significou, em todos os seus aspetos, um verdadeiro progresso integral
e uma melhoria da qualidade de vida. Há cada vez mais feridas que propiciam uma
«silenciosa rutura dos vínculos de integração e comunhão social». São exemplo
disso «os efeitos laborais dalgumas inovações tecnológicas, a exclusão social,
a desigualdade no fornecimento e consumo da energia e doutros serviços, a
fragmentação social, o aumento da violência e o aparecimento de novas formas de
agressividade social, o narcotráfico e o consumo crescente de drogas entre os
mais jovens, a perda de identidade».
47 – O Santo Padre lembra também os efeitos dos novos meios de comunicação nas relações sociais: «Os meios atuais permitem-nos comunicar e partilhar conhecimentos e afetos. Mas, às vezes, também nos impedem de tomar contacto direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro e com a complexidade da sua experiência pessoal. Por isso, não deveria surpreender-nos o facto de, a par da oferta sufocante destes produtos, ir crescendo uma profunda e melancólica insatisfação nas relações interpessoais ou um nocivo isolamento».
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