«As palavras de Deus “És o meu Amado” [(cf. Lc 3, 21-22)] revelam a verdade mais íntima inerente a todos os seres humanos, quer pertençam a uma tradição religiosa ou não. Duvidar desta verdade fundamental sobre a nossa essência e crer em identidades alternativas é a derradeira tentação espiritual.
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A voz que vem do alto e do nosso íntimo tanto murmura suavemente como declara com intensidade: És o meu filho Amado, és a minha filha Amada, em ti pus todo o meu agrado». Não é realmente fácil ouvir essa voz num mundo cheio de vozes que gritam: “Não prestas; és feio; não vales nada; és desprezível; não és ninguém enquanto não conseguires provar o contrário”.
Estas vozes negativas soam tão alto e com tanta persistência que é fácil acreditar nelas. É a armadilha da autorrejeição. É a armadilha que nos faz tronarmo-nos fugitivos que se escondem da sua verdadeira identidade.
As tentações de Jesus no deserto, descritas no Evangelho de Lucas, destinam-se a desviá-lo dessa identidade central. […] Jesus contrapôs, “Não, não, não. Sou o Amado de Deus”. […] Há alturas em que Ele é louvado, outras em que é desprezado ou rejeitado, mas nunca deixa de afirmar: “Outros vão abandonar-Me, mas o meu Pai nunca Me abandonará. Sou o Filho de Deus muito amado. Sou a esperança que reside nessa identidade”.
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Lembro-me de falar para centenas de pessoas e a maior parte delas dizia: “O que disse foi maravilhoso”. Mas se uma pessoa se levantasse para dizer: “Oiça, achei um disparate tudo o que disse”, essa seria a única pessoa de quem me lembraria. Sempre que sinto que me criticam ou abandonam, dou comigo a pensar: “Bem, isso prova mais uma vez que sou um zé-ninguém”. Em vez de lançar um olhar crítico às circunstâncias ou tentar perceber as minhas limitações e as dos outros, tenho tendência a culpabilizar-me – não apenas pelo que fiz, mas pelo que sou.
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A autorrejeição pode manifestar-se na falta de confiança ou no excesso de orgulho. […] A autorrejeição é o maior inimigo da vida espiritual, porque contradiz a voz sagrada que nos diz que somos amados. Sermos muito amados expressa a verdade fundamental da nossa existência. Somos amados enquanto criaturas com limitações e glórias».
(Henri Nouwen com Michael J. Christensen e Rebecca J. Laird, in: Acompanhamento Espiritual. Sabedoria para percorrer o longo caminho da fé)
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