SHEMÁ, ISRAEL : שמע ישראל

Escuta, Israel! (Shemá, Israel!) O Senhor, nosso Deus, é o único Senhor. Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com todas as tuas forças” (Dt 6, 4-5). É uma das afirmações mais fortes e solenes de toda a Escritura que se transformou, posteriormente, na oração mais famosa do judaísmo: o Shemá Israel! A Primeira Leitura e o Evangelho do próximo Domingo (XXXI do Tempo Comum) fazem-se eco deste mandamento (mitzwá) divino que os judeus devem gravar no coração; repetir de geração em geração; refletir na vida diária; atar, como símbolo, no braço; usar como filactérias, entre os olhos (tefilim); escrever sobre as ombreiras da casa e nas portas (mezuzá), como sugere Dt 6, 6-9.

Para além de ser o primeiro mandamento (escutar é a primeira coisa que o povo deve fazer), trata-se das primeiras afirmações de uma espécie de credo (Gerard von Rad chama-lhe “o pequeno credo histórico de Israel”) que o judeu crente deve recitar duas vezes ao dia: de manhã e à noite, acompanhado de uma bênção antes e outra depois, quando é rezado de manhã (shasharit); e de uma bênção antes e duas depois, quando é rezado ao anoitecer (arvit).

O texto desta oração, no seu todo, articula três passagens bíblicas: Dt 6, 4-9; Dt 11, 13-21 e Nm 15, 37-41. Todos elas elegem o amor ao Deus único como fundamento da fé bíblica e a base de um modo de proceder marcado pela unicidade de Deus e pelo combate à idolatria, o pecado maior contra o qual se insurge a Sagrada Escritura, no seu todo, mas sobretudo nos livros proféticos.

Para além do Shemá, os judeus também dão um particular relevo, na sua oração, ao Shemoné Esré (“dezoito bênçãos”) e ao Quiddush (“santificação”), duas importantes orações diárias judaicas.

A primeira é recitada na sequência do Shemá e é conhecida também como Tephilá (“oração”). Trata-se do núcleo central da oração quotidiana e, segundo o Talmud da Babilónia, parece remontar aos tempos de Esdras e Neemias (séc. V a. C.), no pós-cativeiro da Babilónia. Embora continue a chamar-se assim, na década de 80 do século I da era cristã, os judeus acrescentaram-lhe a birkat-haminim (“a maldição dos hereges”). Incidia sobre os “nosrim” e “minim” (nomes dados a algumas seitas judaicas e aos judeo-cristãos que continuavam a frequentar a sinagoga e a praticar a maioria dos ritos judaicos). Foi redigida por R. Shemuel, o Jovem, a pedido de Raban Gamaliel II.

A oração do Quiddush (termo derivado de qaddosh, “santo” [Is 6, 3]) é preparada pela esposa que acende as velas, enquanto espera o regresso do marido da sinagoga. A oração “consiste numa liturgia familiar que marca a espiritualidade do sábado e a sua importância na vida da comunidade judaica” (João Duarte Lourenço, O mundo judaico em que Jesus viveu…, p. 172). O seu centro está na bênção que o pai de família pronuncia sobre o pão e o vinho. Era assim que, à mesa, a família começava a celebração do Sábado e de outros dias festivos. Talvez tenha tido início na sinagoga (aliás, assim se chama também a refeição servida na sinagoga depois do culto, no início do Shabat), mas é a partir do contexto familiar que esta oração ganhou importância.

Com estas orações, pretende-se apresentar os temas essenciais da espiritualidade judaica: a santificação do nome (shem) de Deus, a presença da tenda (shekiná), a bênção (beraká) e o memorial (zikkaron) das ações de Deus. No essencial, é uma oração de louvor e gratidão pela ação favorável de Deus na história do povo e na vida de cada israelita. Para além de mais representativas, estas orações ilustram o que de mais típico e essencial carateriza o judaísmo.

Além disso, as orações referidas, e muitas outras, sustentam a ideia de que o judaísmo não é apenas uma “religião do livro”, mas também uma “religião da oração”, a julgar pela importância que ela assume no culto sinagogal e na vida de cada crente, determinando o ritmo do tempo. A sua importância extravasou para o cristianismo que, neste aspeto como noutros, é herdeiro e tributário do judaísmo. Dele herdámos os Salmos, a nossa oração por excelência, assim como a consciência da necessidade e importância da oração, se queremos um quotidiano vivido à luz da fé que professamos.

Prof. Doutor João Alberto Correia

Faculdade de Teologia, Universidade Católica Portuguesa

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