Solenidade de São José, 19 de Março
Pe. João Miguel Pereira
Interrompemos, de certo
modo, o rigor do tempo quaresmal, nesta altura em que nos aproximamos do tempo
da Paixão do Senhor, para celebrar esta solenidade de São José.
Vestimos os paramentos
brancos em honra da sua pureza, virgindade e santidade; confiando que
ressuscitado com Cristo, ele habita na morada eterna e lá, estando atento às
nossas necessidades, intercede junto de Deus em nosso favor.
Desde os primórdios do
cristianismo que a Igreja tem em boa conta este homem humilde e discreto.
Todavia, isso não é bem explícito nos primeiros séculos da Igreja quando a
necessidade mais urgente era a de consolidar a crença no Deus verdadeiro e na
difusão da fé em Jesus Cristo como verdadeiro homem e ao mesmo tempo verdadeiro
Deus, que foi morto e ressuscitado.
Lembremos que os
cristãos daquela época se confrontavam com um mundo politeísta que adorava
deuses imaginários e mitológicos, oriundos do culto dos astros e dos elementos
da natureza ou então ídolos de metal, madeira e pedra contruídos por mãos
humanas. Ao mesmo tempo, os primeiros cristãos enfrentavam o perigo das
heresias que difundiam conceitos contrários ao dado da Revelação de Deus. Por
exemplo, o arianismo que erradamente sugeria que Jesus Cristo não é divino como
o Pai, heresia completamente em desacordo com o que Cristo revelou ao afirmar,
por exemplo, que Ele e o Pai são um (Evangelho de João 10, 30).
Depois de consolidada a
fé no Deus verdadeiro e em Jesus Cristo como Filho de Deus e consubstancial ao
Pai, a Igreja encontra terreno fértil para se debruçar com mais atenção na
contemplação da vida daqueles que viveram perto de Jesus e se deixaram
transformar por Deus.
Obviamente que um
primeiro olhar recai sobre a sua mãe, Maria Mãe de Deus. Mas, logo surge a
consciência de que se toda Igreja é devedora à Virgem Mãe, porque por meio dela
recebeu Cristo, assim também, logo a seguir a ela, deve a São José uma singular
gratidão e reverência (cf. São Bernardino de Sena).
Nos primeiros séculos,
S. Jerónimo louva a sua virgindade, S. João Crisóstomo fala com ternura das
suas dores e dos seus gozos e St. Agostinho descreve-o como verdadeiro pai de
Jesus, à exceção do nascer fisicamente dele.
Foram surgindo pela
cristandade Igrejas a ele dedicadas, festas, esforços de difundir a sua devoção
(nomeadamente com o Beneditinos e os Carmelitas), e testemunhos de salutares
frutos espirituais como o de Sta. Teresa de Jesus (de Ávila) que, sentindo-se
chamada a dar a conhecer as glórias de S. José, as suas eficácias no Céu e o
seu patrocínio na terra, chegou a dizer que “Não me lembro de ter-me dirigido a
S. José, sem que tivesse obtido tudo o que pedia”.
Mais perto da nossa
época, o papa Pio IX, a 8 de Dezembro de 1870, declarou S. José como “Padroeiro
da Igreja Universal”; o papa Leão XIII, a 15 de Agosto de 1889, apresenta-o
como modelo dos pais e dos trabalhadores (operários) e o papa Pio XII, em 1955
introduziu a festa de São José Operário, que tem lugar no 1º da de Maio,
tornando a festa tradicional do 19 de Março votada para o patrocínio de S. José
sobre a Igreja Universal.
José é o esposo de
Maria e pai putativo de Jesus. É um carpinteiro e, embora descendente do Rei
David (cf. Mt 1, 16.20) e membro da tribo de Judá, ele não é rico em bens
materiais. Mais: vendo-se obrigado a emigrar (para o Egito), para proteger a vida
de Jesus das ambições perversas de Herodes, ele sente quais são as
dificuldades, sofrimentos e angústias dos emigrantes. Mas, porque é da
descendência de David, por meio de José cumprem-se as promessas feitas por Deus
do nascimento de um descendente de David que será para Ele um filho (2Sm 7, 14)
e de uma descendência numerosa como as estrelas do céu (Gn 26, 4) não só
segundo a Lei mas também segundo a fé de Abraão (Rm 4, 16): José confere a
Jesus a filiação Davídica, correspondendo às profecias. E é pela pobreza de
José que Deus mostra que, mesmo com a oposição dos dominadores terrenos, ele
encontra sempre forma de realizar o seu plano de salvação. Ao mesmo tempo
mostra de que lado Ele quer estar, escolhendo configurar-se com os pobres, os
débeis e os humildes.
No ano passado, por
ocasião dos 150 anos da proclamação de S. José como “Padroeiro da Igreja
Universal”, o Papa Francisco dirigiu-nos uma carta apostólica intitulada “Com
coração de Pai”, convocando o Ano de São José (até 8 de Dezembro de 2021).
Nessa mesma carta, o
Papa Francisco lembra-nos que a missão «dos Santos não é apenas a de conceder
milagres e graças mas a de interceder por nós diante de Deus» e ainda a de
ajudar-nos «a tender à santidade e à perfeição» (Lumen Gentium, 42) segundo o
ideal que é Jesus Cristo. Diz-nos o Santo Padre: «os Santos são exemplos de
vida que havemos de imitar». Eles mesmos pedem-nos para sermos seus imitadores,
tal como o faz S. Paulo em 1Cor 4, 16: «Rogo-vos, pois, que sejais meus
imitadores» para que, imitando as suas virtudes mereçamos também um dia entrar
na vida eterna --- o Paraíso --- e contemplar Deus face a face.
Proponho então que
recordemos apenas sete das muitas virtudes de S. José, as mesmas que devemos
todos procurar exercitar todos os dias da nossa vida terrena:
1) A justiça --- Ele é
justo, assim o Evangelho o intitula (Mt 1, 19). Este título é concedido a
poucas personagens na Sagrada Escritura pois é equivalente a dizer que ele é
Santo; ora, o nome “Santo”, no Antigo Testamento, estava reservado para Deus.
Chamar José de justo significa que ele tem em si o modo de agir de Deus, isto
é, age como Deus nos pede e, portanto, ele é fiel aos mandamentos do SENHOR.
2) A prudência ---
Recordemos José no momento que teve conhecimento que Maria se encontra grávida.
Ele tinha duas opções para já não se casar com Nossa Senhora: ou repudiá-la
pubicamente ou em segredo. Se o fizesse publicamente, segundo a lei, iria
prejudicá-la, pois Maria ficaria sujeita ao apedrejamento público que poderia
culminar na sua morte. Mas Ele é prudente. Não é apressado no julgamento e
muito menos em soltar uma condenação fácil e precipitada. Como diz o Evangelho,
ele decidiu «deixá-la secretamente» (Mt 1, 19) e tendo-se colocado também à
escuta da verdade e da vontade de Deus, recebe do anjo enviado por Deus o
anúncio da verdade desconhecida que o ajuda para resolver o dilema: «Não temas
receber Maria, tua esposa, pois o que Ela concebeu é obra do Espírito Santo»
(Mt 1, 20).
3) A bondade --- Nesta
atitude de José, fica bem visível a sua bondade. Ele, mesmo quando equivocado
se sentiu traído e injustiçado, preocupa-se mais em salvaguardar a mulher que
tinha desposado e amava realmente, para que não fosse apedrejada até à morte,
do que em ver-se ressarcido da injustiça ou traição aparente. Na verdade, nisto
como em tudo, ele sempre escolhe fazer o bem e sempre soube escolher o melhor
para Jesus e para Maria, mesmo quando isso implicou duros esforços da sua
parte.
4) A fidelidade --- S.
José é um homem fiel e obediente. Mesmo quando as coisas ficam difíceis não
abandona a missão que Deus lhe confiou mas, em vez disso, põe pés ao caminho
para salvaguardar os maiores tesouros: o Filho de Deus e a Virgem Maria.
Ouvindo o anjo avisá-lo das intenções perigosas de Herodes, obedece sem hesitar
e levanta-se naquele exato momento e pegando no Menino e sua Mãe partiu para o
Egito (Mt 2, 14-15). É nesta escola da obediência de José que também Jesus
aprendeu a fazer sempre a vontade de Deus: «Não seja feita a minha vontade, mas
a tua!” (Lc 22, 42), diz Jesus quando estava próxima a hora em que ia sofrer a
sua Paixão.
5) A humildade --- Ele
é humilde e silencioso; esses serão os motivos pelos quais ele quase passa
despercebido nos Evangelhos. Não porque a sua missão seja insignificante, mas
porque a executa sem procurar ‘dar nas vistas’ para receber elogios ou
‘aparecer nas capas das revistas’. Ele sabe e respeita a centralidade e o
primado de Deus, do qual ele, livre e conscientemente, sabe que é servo e
cooperador. Tanta gente dedica a sua vida de modo altruísta e discreto como S.
José: médicos, enfermeiros, trabalhadores, polícias, bombeiros, voluntários,
sacerdotes, religiosos… rezam, imolam-se e intercedem pelo bem de todos.
6) A castidade --- Ele
é guiado por um coração casto, todo voltado para o outro e todo dom para o
outro. Ele não anda disperso por muitas paixões e ocupações mas consagrou
ordenadamente a sua vida a uma só missão à qual se doa totalmente: a de ser
esposo de Maria e pai de Deus feito menino. A castidade não é um sacrifício: é
a doação e dedicação total de si mesmo por amor. A tradição assumiu que ele e
Nossa Senhora fizeram um pacto de castidade e permaneceram para sempre virgens
de feição a viverem inteiramente ao serviço de Deus e a dedicarem-se
completamente à proteção e educação do seu filho Jesus. Por isso, a Igreja
invoca-o também com o título de Esposo virginal.
7) A Contemplação ---
Patriarca do silêncio e dos sonhos, ele cultiva espaço para Deus ter lugar na
narrativa da sua vida. Ao mesmo tempo, sabe acolher os sonhos de Deus
fazendo-os seus. Ele é paciente e confia no SENHOR: assim esperou o aviso
prometido do anjo para voltar ao seu país durante o tempo em que esteve no
Egito (Mt 2, 19-20). Como tal, diante dos acontecimentos que não consegue
entender, José não procura explicá-los, irar-se contra eles ou resignar-se
passivamente: em vez disso acolhe-os. Não exclui. Dá lugar àquilo que não
escolheu mas que, todavia, existe e procura deixar que Deus revele o sentido
oculto que está por detrás.
«De José, devemos
aprender o mesmo cuidado e responsabilidade: amar o Menino e sua mãe, amar os
Sacramentos e a caridade; amar a Igreja e os pobres» pois «cada uma destas
realidade é sempre o Menino e a sua mãe» (Papa Francisco, Com coração de Pai):
foi o próprio Jesus que afirmou que «Sempre que fizerdes isto a um destes meus
irmãos mais pequeninos, a mim mesmo o fizestes» (Mt 25, 40).
Por tudo isto, ele
mereceu escutar da boca do Senhor: «Servo bom e fiel, entra na alegria do teu
Senhor». Valho-me, por isso, da intercessão do Bem-Aventurado Esposo de Maria,
a quem Deus constituiu chefe da sua família, e dos seus méritos, para pedir
para todos vós as bênçãos de Deus! Ele, tendo sido na terra o Guardião do
Menino e de sua Mãe, «não pode deixar de ser Guardião da Igreja, porque a
Igreja é o prolongamento do Corpo de Cristo na história, e, ao mesmo tempo, na
maternidade da Igreja espelha-se a maternidade de Maria» (Papa Francisco, Com
Coração de Pai).
João Miguel
Pereira, Padre
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