Sacramentos ofuscados

 Na maior parte das Paróquias, junho foi o mês das Primeiras Comunhões e dos Crismas. E tal deve-se ao facto de, no dia 8, ter ocorrido a Solenidade do Corpo e Sangue de Cristo (Corpo de Deus), bem como o fim de ano de uma catequese que teima em seguir o calendário escolar. O mês que agora começa, bem como o de agosto, são por excelência os meses dos batismos e dos matrimónios, pois são bastantes – ainda que cada vez menos – os noivos que o contraem. Apesar de se tratar de meses luminosos, uma boa parte dos sacramentos que neles se celebram são, por razões diversas, claramente ofuscados.

À primeira vista, parece que quase tudo corre bem, dada a significativa preocupação com o aparato exterior: as celebrações são, quase sempre, preparadas com esmero (nalguns casos, o esmero até rima com exagero e a intensidade com vaidade!) e tornam-se um momento de convívio familiar, à volta da mesa, num restaurante ou numa quinta de eventos. A verdade é que, nos bastidores, muita coisa de estranho acontece: preocupação deficitária com a formação e excessiva com o aparato exterior (as roupas, as fotografias, as ementas) que chega a levar algumas famílias economicamente menos favorecidas a contrair dívidas para mostrar um status que não é o seu.

No que respeita à formação, a mais próxima até se faz, mas a falta de preparação remota e de vivência cristã torna muitos destes momentos espiritualmente ocos e o fim da festa revela aquilo que, entretanto, se encobriu: o vazio. Se só a formação gera cristãos enraizados, com identidade e compromisso, poderá um encontro ou até diversos preparar alguém para a celebração de um sacramento e para a sua vivência no quotidiano, se não se participa regularmente na Eucaristia, se não se reza e se não se vive segundo a matriz do evangelho?

No que respeita aos batismos, deparamo-nos com pais que não acreditam nem praticam, com padrinhos em igual condição e que, por isso, não cumprem os requisitos mínimos. E nós vamos permitindo que tudo isto aconteça, à revelia da teologia e até da própria legislação da Igreja (o Código de Direito Canónico, no cânone 868, § 1, 2º diz textualmente: “Para que a criança seja licitamente batizada, requer-se que: haja esperança fundada de que ele irá ser educada na religião católica; se tal esperança faltar totalmente, difira-se o batismo”). Fará sentido administrar o batismo, quando não há a referida “esperança fundada”? Quantos batismos ilícitos!

No caso do sacramento da Eucaristia (Primeira Comunhão), como podem as crianças perceber a sua importância e desejá-lo se não participaram nem participarão mais, de forma regular, na celebração? E que dizer daqueles casos – são cada vez mais! – em que, feita a Primeira Comunhão, não se frequenta mais a catequese e se passa (ou continua!) a viver à margem da fé e da comunidade cristã?

Quanto à Confirmação (Crisma), o problema agiganta-se: a idade dos 15 ou 16 anos não é a mais favorável e as circunstâncias em que a administração do Crisma acontece (grupos enormes) não favorecem a celebração. Na verdade, um dos motivos que “arrasta” muitos adolescentes até ao Crisma não é o desejo de tornar mais sólida e esclarecida a fé, é sobretudo o de poderem vir a ser padrinhos. Além disso, por se tratar do fim do ciclo catequético, o Crisma é o momento em que eles desaparecem da Igreja. Alcançado o objetivo, mesmo não sendo um costume generalizado entregar diploma, sentem-se diplomados e até dispensados.

No caso do sacramento do matrimónio, a questão adensa-se, porque acontece de tudo: noivos que não reúnem as condições para que o casamento seja válido, que não se preparam devidamente, que comungam sem se terem reconciliado; fotógrafos que não sabem ocupar o seu lugar na celebração, assumindo um protagonismo que não lhes cabe; grupos musicais que cantam, sem critério litúrgico, o que lhes apetece; convidados que não sabem estar na celebração ou já não reúnem as condições para tal, porque, entretanto, passaram pela casa dos noivos e já comeram bem e beberam melhor.

Porque refletimos pouco sobre estes assuntos, falta-nos a lucidez e a coragem pastoral para exigirmos o essencial ou até desaconselharmos os sacramentos a quem não dê garantias de que venha a viver em conformidade com o que celebraram. Enquanto o horizonte for este e nos contentarmos com estes paradigmas pastorais, não acontecerá renovação eclesial, por mais sinodal e samaritana que a Igreja pretenda ser.

O slogan justificatório que, a propósito, oiço é: “Mais vale isto que nada”. Numa Igreja que já não é de cristandade, não será de inverter o slogan? Com o devido respeito e reserva, a experiência pastoral já me vai sugerindo que o formule de outro modo: “Mais vale nada do que isto”.

Professor Doutor Padre João Alberto Correia



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