Se o teu irmão te ofender, vai ter com ele e repreende-o a sós.

 XXIII Domingo do Tempo Comum (Ano A)

por Pe. João Miguel Pereira

A missão do profeta acarreta consigo a obrigação de ser sentinela para o povo de Deus. Observando atentamente o outro lado da muralha, a sentinela alerta para os perigos que se avizinham, tal como o profeta que escutando atentamente a palavra da boca de Deus e observando as realidades do mundo há-de avisar os homens para converterem os seus caminhos quando estes se afastam dos projetos de Deus e os conduzem à ruína.

Profeta e sentinela partilham a missão de serem vigilantes atentos e fiéis portadores de uma mensagem. À sentinela compete-lhe avisar o exército quando o inimigo se aproxima para que defenda a cidade; ao profeta compete-lhe avisar o ímpio/pecador dos perigos da alma para que não a faça desabar na ruína dos seus pecados.

Profeta e sentinela hão-de desempenhar com diligência a sua missão pois ser-lhes-ão pedidas contas da morte daqueles que lhe estão confiados.

Cristo, Filho do homem, executou de forma plena a missão profética, chamando os pecadores à conversão e pregando os mandamentos da Lei de Deus para que se salvem aqueles que O escutam e Lhe obedecem.

O nosso Salvador encarrega-nos, nas Palavras do Evangelho que hoje escutamos, da mesma missão: corrigirmo-nos mutuamente para que nenhum de nós se perca. Trata-se da realização do mandamento novo do amor - amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a nós mesmos - e da concretização da missão profética recebida pelo batismo.

Não nos pertence apenas a salvação da nossa própria alma. Alertar o irmão e repreendê-lo do seu mau proceder é uma obrigação para todo o batizado. Aliás, disso depende também a nossa própria salvação. A repreensão deve ser feita com indignação mas sem ódio, com vontade de corrigir mas não de prejudicar, com intenção de ganhar um irmão e não de o perder.

Sobre esta passagem escreve Santo Agostinho: “É por isso que devemos censurar o outro com amor, não com vontade de prejudicar, mas com zelo de corrigir. Se formos assim, cumprimos otimamente aquilo de que fomos hoje avisados: Se o teu irmão te ofender, corrige-o a sós. Por que é que o corriges? Será que é porque te custa o facto de ele te ter ofendido? Deus te livre. Se fazes isso por amor de ti, não fazes nada. Se o fazes por amor dele, ages otimamente.”

Mateus apresenta uma estratégia para a correção que passa por várias etapas.

Em primeiro lugar a correção deve ser feita em privado, cara a cara, com honestidade, serenidade e caridade. Esta postura é completamente oposta daquele que fala “por trás”, que publicita a falta, que critica publicamente (mesmo que não se invente nada), ou que na pior das hipóteses espalha boatos, calunia, difama e “diz mais do que o que é”.

Diz Santo Agostinho “se só tu é que sabes que ele te ofendeu e o queres censurar diante de todos, não és um corretor, mas um difamador”. Então, “quando o corriges por te ter ofendido, procura fazê-lo em segredo”.

Depois, se essa etapa falhar, se a correção em privado não tiver efeito, Mateus diz que se devem tomar uma ou duas pessoas que sirvam de testemunhas e que procuram alertar o infrator do seu mau proceder.

Só então, se também essa etapa falhar, o caso deve ser exposto à comunidade que deverá tentar corrigir. Se mesmo assim o infrator se obstinar no seu comportamento errado e não der ouvidos à Igreja deve ser considerado como pagão ou publicano, isto é, como alguém cujo comportamento o colocou à margem da comunidade.

Não é a Igreja que exclui o pecador obstinado mas sim a obstinação do pecador, que irredutivelmente permanece no pecado, que o afasta da comunhão dos irmãos e o afasta de Deus.

Mas, diz ainda Santo Agostinho: “Não o queirais contar já no número dos teus irmãos. Todavia não é por isso que a sua salvação deve ser negligenciada. […] sempre nos preocupamos com a sua salvação”. O convite a reintegrar a comunidade e a restabelecer a comunhão com os irmãos e com Deus não cessa de ser feito, tal como não deve ser descurado o esforço pela conversão aos caminhos de Deus daqueles que andam errantes nos caminhos que os afastam da salvação. Afinal, como diz Deus pela boca do profeta Ezequiel: se “não falares ao ímpio para o afastar do seu caminho […] Eu pedir-te-ei contas da sua morte”. Afinal, também publicano era Mateus (cobrador de impostos) e Cristo não desistiu dele: chamou-o, convidou-o e fez dele discípulo, irmão, apóstolo e evangelista.

Que o Senhor nos dê sabedoria, discernimento e caridade para nos corrigirmos mutuamente e humildade e mansidão para aceitarmos ser corrigidos.

 

“Em todas as minhas palavras eu ponho um espelho à frente. Nem sequer são minhas estas palavras, mas falo por mandato do Senhor, por temor de quem não me calo.” (Sto. Agostinho, Sermões)




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