XXVII Domingo do Tempo Comum (Ano A)
Por Pe. João Miguel Pereira
A Liturgia da Palavra deste 27º Domingo do Tempo Comum
é bastante sugestiva e enquadra-se perfeitamente na época do ano em que nos
encontramos e no nosso contexto geográfico.
A primeira leitura e o Evangelho servem-se das
imagens da vinha e do seu cultivo, das uvas, das vindimas, do lagar e do vinho
para, por meio delas, nos falarem do amor de Deus pelo seu povo, da forma de
trato que Deus lhe aplica, dos frutos que espera obter e daqueles que na
realidade obtém.
Como evidente chave de leitura, que nos permite
decifrar o sentido dos textos que nos são servidos hoje na mesa da Palavra, encontramos
o Salmo responsorial: “A vinha do Senhor é a casa de Israel”. Trata-se de
aplicar a imagem da vinha ao povo de Deus (a casa de Israel): composto pelas “cepas
escolhidas” e resgatadas da escravidão do Egito e transplantadas numa colina fértil
(terra de Canaã) que Deus se encarregou de preparar cuidadosamente (“lavrou-a e
limpou-a das pedras”: os outros povos que aí habitavam e que podiam estorvar a sua
fecundidade).
O profeta Isaías, que exerceu o seu ministério
profético entre os anos 740/739 e 700 a.C, traz-nos, na primeira leitura, um cântico
que retrata o trabalho e amor do agricultor pela sua vinha. Canta esse cântico,
como ele o diz, em nome do seu Amigo. É Ele quem prepara a terra, planta a
vinha, cuida dela edificando a torre (alusão à dinastia de David da qual nasceria
Jesus) para a vigiar e proteger, prepara o lagar na espectativa de nele
produzir o bom vinho a partir dos frutos que sonha colher. Não havia mais que Ele
pudesse fazer pela sua vinha, todavia o resultado de todo o seu amor e empenho
é uma desilusão: a vinha em vez de dar boas uvas só produziu agraços (“agro”: azedo).
Parece, por isso, justo que o agricultor lhe retire a vedação e permita que a
vinha seja devastada; que faça dela um terreno deserto (alusão à invasão assíria
e exílio), que não a volte a podar nem cavar, deixando-a invadir por silvas e
espinheiros e secar pela falta de chuva. Finalmente, Isaías esclarece-nos que o
amigo/agricultor em nome de quem ele entoa este cântico é o Senhor do Universo
e que a vinha é a casa de Israel da qual esperava “retidão e só há sangue
derramado; esperava justiça e só há gritos de horror”. «Deus esperava que
Israel vivesse no direito e na justiça ("mishpat" e
"zedaqa") cumprindo fielmente as exigências da Aliança; esperava uma
vida de coerência com os mandamentos; esperava que Israel respeitasse os
direitos dos mais débeis... Na realidade, o povo atua em sentido exatamente
contrário àquilo que Deus esperava: os poderosos cometem injustiças e
arbitrariedades, os juízes são corruptos e não fazem justiça ao pobre, os
grandes praticam violências e derramam o sangue do inocente, os órfãos e as
viúvas vêem espezinhados os seus direitos sem que ninguém os defenda.»
O Evangelho apresenta uma parábola na qual Jesus
se serve de uma linguagem semelhante à utilizada por Isaías na primeira
leitura: um proprietário que plantou uma vinha, cercou-a com uma sebe, cavou
nela um lagar e levantou uma torre. Depois distancia-se da linguagem de Isaías:
aqui a vinha é o Povo de Deus, casa de Israel, mas os agricultores/vinhateiros
são os líderes políticos e religiosos judaicos, encarregados de trabalhar a
"vinha" e de fazer com que ela produzisse frutos. Todavia, estes
servos (líderes religiosos e políticos judaicos) em vez de entregarem ao proprietário
(Deus) os frutos da vinha (povo de Deus) espancaram, apedrejaram e mataram os
seus servos (os profetas: Jeremias é lapidado, Miqueias é preso, Zacarias é
apedrejado, João Batista é decapitado) e assassinaram o seu filho (Jesus
Cristo). Por isso, Deus “arrendará a vinha a outros vinhateiros, que lhe
entreguem os frutos a seu tempo” e fará da pedra que os construtores rejeitaram
a pedra angular (pedra fundamental da construção). A edificação do reino de
Deus é confiada a outros povos e Jesus Cristo, aquele que foi rejeitado, é
agora a centralidade da construção.
Nós, Igreja, somos nova vinha do Senhor, novo
Povo de Deus, responsáveis pela edificação do seu Reino, tendo sempre Jesus Cristo
como o nosso centro. Temos de produzir frutos de amor, de serviço, de doação,
de justiça, de paz, de tolerância, de partilha, de misericórdia e compaixão. Se
não pusermos de parte o egoísmo, o comodismo, o orgulho, a arrogância, as
ideologias e o preconceito, o desejo do poder, do dinheiro e da fama… que
frutos poderá Deus colher das nossas vidas?
Que o Senhor nos ajude a ser bons vinhateiros, a
cuidar da sua vinha e entregar-Lhe boas uvas… boas obras (de verdade, nobreza,
justiça, pureza, amabilidade e boa reputação) e não agraços.
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