Ama e doa-se “a fundo perdido”

O evangelho que nos foi dado escutar (e com o qual somos de novo convidados a aprender) traz-nos uma recomendação de Jesus a algo que até é agradável de ouvir… mas infelizmente tão difícil e desagradável de concretizar: «Amai os inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, orai por aqueles que vos injuriam».

Amar, fazer bem, abençoar e orar. Não apenas a quem o faz connosco e por nós, mas também e sobre tudo com aqueles que nos fazem o mal… que não nos amam ou nos odeiam e nos amaldiçoam e maldizem.

Jesus deixa expressa, de forma inequívoca, a sua rejeição à violência, à resposta ao mal com o mal, às lógicas retributivas humanas que usamos uns com os outros mas que, felizmente para nosso bem, não são a lógica que orienta a atitude de Deus para connosco.

A verdade é que essas lógicas retributivas, que tantas vezes enveredam pelo uso da violência, não melhoram as situações, antes as complicam. Não melhoram o que foi mau porque não despertam nele arrependimento e desejo de conversão, mas desencadeiam um inflamar do ódio e da vontade da desforra e da vingança. Então a violência gera mais violência, num interminável ciclo vicioso.

Porventura a violência pode conseguir eliminar os malfeitores, mas não consegue salvá-los. A única atitude que pode converter e salvar, criando algo novo, é o amor.

O Mestre (leia-se: Jesus) pede para amar. Pede-nos para não olharmos para os nossos direitos e interesses, mas para adotarmos uma atitude altruísta e oblativa. A atitude de Cristo (olhai para a Cruz). Essa é uma atitude que não prioriza o eu, mas ao outro e as suas necessidades.

Amar, fazer bem, abençoar quem nos faz ou quer mal não é fácil. É difícil… parece estar para além das nossas forças meramente humanas. Por essa razão é recomendada a oração. Só a oração pode apagar a agressividade, desarmar o coração (e as mãos: postura orante) e comunicar-nos cultivando em nós, pela graça de Deus que é o Espírito Santo, os sentimentos do Pai que está nos céus. (Pai-Nosso: …perdoai as nossas ofensas, assim como nós perdoamos. Aprender a perdoar como o Pai perdoa). A oração dá-nos força e luz para ter e viver em nós a vida do nosso Deus.

Jesus não proíbe os cristãos de exigirem justiça, de defenderem os seus direitos, de protegerem os próprios bens, a própria honra e a própria vida. Os cristãos têm de se empenhar ativamente em por fim à injustiça, às prevaricações, aos roubos… empenharem-se ativamente em reestabelecer a justiça, mas não pelo recurso às armas, à violência, à opressão, à mentira, ao ódio, à vingança… (E aí está o perigo de alguns movimentos políticos e até eclesiais ou de algumas correntes teológicas).

O cristão não pode deixar-se vencer pelo mal, mas tem de vencer o mal com o bem («Não paguem a ninguém mal por mal; procurem fazer o bem diante de todos». cf. Rm 12, 17-21). O cristão, quando não consegue reestabelecer a justiça com meios evangélicos, não se pode deixar guiar pelo ódio, pela vingança e pela violência. Tem de sofrer com paciência: «a quem te bater numa face, apresenta-lhe também a outra; a quem te levar a capa, deixa-lhe também a túnica. Dá a todo aquele que te pedir e ao que levar o que é teu não o reclames».

A regra de ouro que bem conhecemos «como quereis que vos façam, fazei-o vós também», não significa que devemos usar como medida do nosso agir o nosso egoísmo, os nossos interesses… o que queremos que nos façam em troca. Esta regra deve ensinar-nos a colocar-nos no lugar dos outros: “se eu estivesse na sua condição o que gostaria que os outros me fizessem?” Gostaria que me agredissem, me humilhassem, usassem violência para comigo?

Na verdade do nosso coração, respondamos: Quando exijo justiça por uma afronta sofrida quantas vezes procuro o bem do outro? Será que não penso apenas na vingança? Temos de aprender a substituir o nosso olhar de juiz pelo olhar de mãe: o juiz apenas se preocupa em restabelecer a legalidade punindo o infrator, infelizmente poucas vezes se preocupa com a recuperação do malfeitor; a mãe preocupa-se com o bem do filho e porque o ama quer corrigi-lo e recuperá-lo… salvá-lo.

Amar como uma mãe ou amar como o Pai dos Céus, isto é, de forma gratuita e desinteressada, pode não fazer de nós pessoas justas aos olhos do mundo, mas faz-nos filhos de Deus (porque nos afigura ao Filho de Deus). Aqueles que fazem bem a quem lhes faz bem, que emprestam ou oferecem para receberem em troca são justos, mas ainda não agem como filhos de Deus. Se fazemos para recebermos que agradecimento merecemos? Se damos para recuperar o mesmo é nesse mesmo que temos a nossa recompensa. É a gratuidade que caracteriza o agir cristão e que permite identificar, de modo inequívoco, os filhos de Deus.

É no amor aos nossos inimigos ou no dar a quem não pode ou não nos quer dar em troca que se manifesta esse amor gratuito. Fazer o bem e emprestar sem esperar nada em troca exclui qualquer tipo de interesse. (Como rezam os escuteiros: “a gastar-me sem esperar outra recompensa senão saber que faço a” vontade santa de Deus). O cristão não faz o bem procurando alcançar a paz interior, o autodomínio ou o sentimento de autossatisfação espiritual (como fazem os estoicos). O cristão, filho de Deus, não faz o bem sequer por pensar em acumular méritos no Paraíso: Ama e doa-se “a fundo perdido”. A recompensa não está no que esperamos receber, mas naquilo em que nos tornamos: «sereis filhos do Altíssimo, que é bom até para os ingratos e maus».

Com tudo isto, Jesus convida-nos a cultivar os sentimentos e a imitar as ações do Pai que está nos céus. Jesus convida-nos a, como comunidade cristã, tornar visível aos olhos dos homens o rosto do Pai celestial (cf. Lc 6, 36-38).

(Inspirado em “O banquete da Palavra, ano C” de Fernando Armellini)



Comentários