Santíssimo Corpo e Sangue de Cristo

 Pe. João Miguel Pereira

Inspirado o Livro “Ele está aqui!” de Aura Miguel e João César das Neves

 

A Eucaristia é o tesouro da igreja, um tesouro tão sublime quanto misterioso. Ela é o centro da vida dos cristãos. Se há coisa que toda a gente sabe sobre os cristãos é que eles vão à missa, que todos os principais momentos da sua existência, pessoal ou comunitária, são marcados pela celebração do sacrifício eucarístico.

Recordemos o Batismo, início da nossa vida em Igreja, quase sempre celebrado em conjunto com a Eucaristia. Tal como acontece com a Confirmação, a Ordem ou o Matrimónio. Também a Santa Unção leva, habitualmente, ao enfermo, além do óleo da misericórdia de Deus, o Corpo eucarístico de Jesus. E o sacramento da Penitencia está também interligado com a necessidade de nos prepararmos para receber o mais dignamente possível o Corpo de Cristo.

A nossa relação com a Eucaristia tem de iniciar-se com um sentimento de espanto, assombro e admiração. Aliás, toda a vida cristã tem de ser marcada pela admiração e pelo espanto. A incarnação do Deus em quem acreditarmos é um mistério espantoso: «o Deus que não cabe nos céus, viveu aqui como um de nós, trabalhou, teve fome e sede». Não, Deus não apenas nos olhou do Céu tendo-se interessado por nós e enviando-nos mensageiros. Nem somente nos visitou. Ele viveu entre nós. «O nosso Deus foi um homem verdadeiro, sem deixar de ser Deus verdadeiro. Viveu aqui como um de nós, comeu, dormiu, riu, chorou, sofreu».

A nossa fé afirma também que «Deus, esse Deus que viveu aqui, morreu aqui! O Deus que não cabe nos céus foi condenado por blasfémia e morto na cruz». Esta verdade é escândalo para os judeus e loucura para os gentios (1 Cor 1, 22-23)

Aliás, o nosso espanto deve ainda chegar ao anúncio da ressurreição: um homem morreu e ressuscitou. E «que um punhado de homens, ignorantes e tímidos, tenham deixado a sua terra e os seus empregos e famílias para partirem por todo o mundo a contar uma história tão aberrante como esta é algo que só se pode justificar por eles estarem plenamente convencidos do que diziam». A mensagem do cristianismo é esta: Cristo morreu na cruz e ressuscitou.

Mas, no meio disto tudo há um outro elemento que merece o nosso espanto e admiração. «Esse Cristo que morreu e ressuscitou disse: “Sabei que Eu estarei sempre convosco até ao fim dos tempos” (Mt 28, 20). O maior espanto é a presença continuada, permanente, sempre renovada de Cristo na sua Igreja».

«A Eucaristia é a coisa mais estranha que os estranhos cristãos afirmam. Porque nós dizemos que naquele pedaço de pão e naquele cálice de vinho estão “o corpo, sangue, alma e divindade de Jesus Cristo, tão real e verdadeiramente como está no Céu”. Nós dizemos que comemos Deus. Que temos dentro de nós, na nossa barriga, o Deus que não cabe nos céus. Nós dizemos que o nosso Deus está dentro daquela caixa com uma lamparina ao lado».

Isto é difícil de aceitar. Desde logo quando o Senhor explicou na Sinagoga de Cafarnaum o que ia fazer, que Ele é o pão vivo descido do céu, que se não comermos a carne do Filho do Homem e não bebermos o seu sangue não teremos a vida em nós, muitos dos que o ouviram disseram: «“Que palavras insuportáveis! Quem pode entender isto?”» (Jo 6, 60) e abandonaram-no.

Mas «quem sabia que não tinha mais para onde ir, porque só Ele tinha palavras de vida eterna, tinha de conviver com este espanto».  

A eucaristia é o centro da vida eclesial. Disso o dá testemunho a igreja desde as primeiras comunidades cristãs: «Eram assíduos ao ensino dos Apóstolos, à união fraterna, à fração do pão, e às orações» (Act 2, 42).

Sto. Ambrósio de Milão (340-397) diz que «este pão é pão antes das palavras sacramentais. Porém, a partir da consagração, o pão muda-se no corpo de Cristo. […] Quais são as palavras com que se faz a consagração e de quem são essas palavras? São do Senhor Jesus. […] quando chega o momento de fazer o venerável sacramento, o sacerdote já não se serve das suas palavras, mas serve-se das palavras de Cristo. É, pois, a palavra de Cristo que produz este sacramento», uma palavra performativa e eficaz que realiza aquilo que significa tal como no ato da criação em que o Senhor disse e tudo foi feito.

Sto. Agostinho de Hipona (354-430) diz-nos: «O que estais a ver sobre o altar de Deus […] pão e um cálice. Isto é o que vos dizem os olhos, mas a vossa fé tem que ser ensinada: o pão é o corpo de Cristo, o cálice tem o sangue de Cristo». E citando o profeta Isaías, diz: «Se não acreditais, não compreendereis» (Is 7, 9).

Também S. Tomás de Aquino (1225-1274) nos alerta para que «a presença do verdadeiro corpo de Cristo e o seu sangue neste sacramento não é detetada pelos sentidos mas só pela Fé, que repousa na autoridade divina. Acerca de Lucas 22, 19, “Este é o meu corpo entregue por vós”, diz São Cirilo: “Não duvides que isto é verdade, mas toma as palavras do Salvador na Fé, pois como Ele é a Verdade, Ele não mente”.

São João Maria Vianney (1786-1859) constata também esta verdade: «Depois da consagração, o bom Deus está ali como no céu».

De facto, a aclamação da assembleia de Deus três vezes santo, no final do Prefácio e ainda na primeira parte da Oração Eucarística, recorda-nos dois textos da sagrada Escritura: Apocalipse 4, 8-11 juntamente com Isaías 6, 1-4, do qual se retiram as palavras “Santo, Santo, Santo, o Senhor Deus do universo! Toda a terra está cheia da sua glória!” e, Zacarias 9, 9 juntamente com Mateus 21, 9 ou Marcos 11, 9-10 onde se retiram as palavras “Hossana ao Filho de David! Bendito seja aquele que vem em nome do Senhor! Hossana nas Alturas!”.

Esta aclamação sublinha a grandeza misteriosa do sacramento que se vai realizar: «o Senhor visita o seu povo e nós subimos ao Céu». «Trata-se de contemplar o Céu aberto e olhar diretamente para a nossa salvação».

Depois há o pedido do envio do Espírito Santo sobre o pão e o vinho, para os santificar. Para a igreja ortodoxa, é mesmo este pedido que realiza a consagração, por analogia com o mistério da Incarnação, que se cumpre sob a ação do Espírito Santo.

Chegamos agora ao relato da instituição da Eucaristia na Última Ceia. «O celebrante, à medida que nos conta a história, coloca-se a si mesmo no lugar de Cristo e repete, na primeira pessoa, as palavras que então foram ditas: “Isto é […]. Este é […]. Fazei isto […].” Deste modo, a Ceia acontece realmente de novo. Não é uma memória – é uma atualização, um renovamento». O sacrifício da Cruz volta a estar presente. «A Eucaristia aplica aos homens de hoje a reconciliação obtida de uma vez para sempre por Cristo para a humanidade de todos os tempos». «O sacrifício de Cristo e o sacrifício da Eucaristia são um único sacrifício» (CIC 1367). É novamente Jesus que se oferece a si próprio pelo ministério dos sacerdotes. «A Igreja, diante do pão e do vinho consagrados, está mais uma vez no Calvário e debruça-se de novo sobre o sepulcro vazio».

«Pode-se dizer, pois, talvez com algum atrevimento teológico, que a Eucaristia é a segunda Incarnação. Cada vez que celebramos a missa, Jesus toma corpo sobre o altar. E nós, consequentemente, somos introduzidos por momentos na liturgia celeste, que nos espera depois da ressurreição».

Por isso a Igreja vive da Eucaristia, celebra a Eucaristia e adora a Eucaristia.

Na missa não só o Corpo de Cristo se faz presente, mas a reunião dos batizados torna visível (ao menos em parte) o corpo místico de Cristo. E na comunhão sacramental, cada fiel que recebe a Eucaristia «torna-se um sacrário vivo que vai pelo mundo espalhar a presença da Cristo». «O meu sangue transforma-se, pela comunhão, em veículo de evangelização. Mais ainda do que isso: as fibras do meu corpo, os meus órgãos, vitalizados pela alimentação, são construídos pela presença do Senhor que, pela digestão, Se transforma em mim. Mas só o faz para me transformar n’Ele». O corpo místico de Cristo «recebe pela comunhão mais do que ordens da sua sublime Cabeça. É Ela mesma que se faz presente em cada um dos seus membros».

Valerá notar que «em todo o mundo existe apenas um cibório, um tabernáculo, um escrínio adequado à Santíssima Eucaristia: a Santíssima Virgem Maria». «Esta dignidade não é de ser, pois existe uma diferença infinita entre o Filho divino e a Mãe humana. Mas Ela é digna porque Ele a escolheu. A Senhora é o sacrário feito pelo próprio Deus, a habitação perfeita, construída e escolhida por Ele nesta Terra». «É essencial nunca esquecer que a melhor imagem de Maria que os nossos templos contêm é o próprio sacrário». 




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