O que fazer para alcançar a vida eterna?

 XVIII Domingo do Tempo Comum, ano B

Depois de ouvirmos no passado domingo Jesus falar sobre a indissolubilidade do matrimónio, ouvimos hoje mais uma exigência exigente – passo a redundância – da moral cristã. Jesus catequisa aos discípulos sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica.

Aproxima-se de Jesus um homem que se coloca diante d´Ele de joelhos, como se fosse um doente implorando a cura. De facto, há uma inquietação no seu coração que o faz sofrer, como se fosse uma doença espiritual.

Ele questiona Jesus, a quem reconhece como bom mestre, sobre o que há-de fazer para alcançar a vida eterna, isto é, a imortalidade que Deus oferece aos justos. Procurava encontrar da boca de Jesus palavras que o confortassem, que o tranquilizassem, porventura que aplaudissem o caminho que ele tem trilhado. Mas a palavra de Deus é viva e eficaz, é uma espada de dois gumes que nos desestabiliza e nos convoca a ser cada vez melhores seres humanos e nos interpela a avançar em frente no caminho da santificação.

Depois de Jesus lhe recordar e recomendar as diretrizes do decálogo (não mates; não cometas adultério; não roubes; não levantes falso testemunho; não cometas fraudes; honra pai e mãe) aquele homem declara que tudo isso tem cumprido desde a juventude. Ele tem procurado viver retamente, cumprindo os mandamentos da lei de Deus.

Jesus olha-o com simpatia. Possivelmente porque é verdade o que aquele homem lhe disse, porque de facto ele tem procurado viver de acordo com os mandamentos. Jesus não o contesta. O homem não é um hipócrita, mas um crente empenhado e sincero. Jesus reconhece a sinceridade, a honestidade, a verdade da busca deste homem…

Aquele homem queria saber como alcançar a vida eterna. A vida eterna não se conquista, não é prémio para o nosso mérito, não se compra… é-nos oferecida gratuitamente por Deus. Ele sabe isso, sabe que de Deus tudo se recebe como herança, não como conquista pelas nossas boas ações mas como dom/dádiva de Deus. No entanto, aquele homem reconhece que há que nos dedicarmos a cultivar a disposição certa para acolher os dons de Deus, inclusive o dom da vida eterna. (Se queremos entrar na vida eterna de Deus precisamos deixar que a ‘forma de ser’ de Deus entre em nós e molde a nossa vida terrena).

Jesus diz-lhe que lhe falta uma coisa: vender os seus bens e dar o dinheiro aos pobres.

O evangelho diz-nos que aquele homem era muito rico e que por isso ficou de semblante triste e retirou-se pesaroso.

Jesus constata como é difícil para os que têm riquezas entrar no reino de Deus, não pela riqueza em si, mas pela incapacidade de se desprender dela usando-a e gastando-a para fazer bem aos irmãos mais desfavorecidos socialmente. E quanta mais riqueza, mais difícil é o desapego de tudo e mais difícil é ter a liberdade necessária para seguir Jesus.

Jesus pede a renúncia a qualquer tipo de uso egoísta, não só do dinheiro, mas de todos os bens, inclusive a saúde, o tempo próprio e todas as capacidades recebidas de Deus. Não se pode ser discípulo de Jesus se não conseguimos desapegar o coração daquilo que possuímos. É insensato possuir os bens egoisticamente. O que temos deve servir para prover modestamente às nossas justas necessidades e para socorrer os nossos irmãos e irmãs.

O ideal cristão não é a miséria, a fome, a nudez, mas sim a partilha fraterna dos bens que Deus pôs à disposição de todos. O pecado não está em torna-se rico, mas em enriquecer sozinho sem enriquecer os outros, sobretudo os mais pobres, com as riquezas conquistadas.

O homem afasta-se de semblante triste e pesaroso… angustiado porque não se conseguiu desprender dos bens materiais que possuía. Um homem quando vive egoisticamente, quando se deixa escravizar pelas coisas que possui e pela ânsia de juntar mais e mais, não pode experimentar senão a dor da ansiedade, a infelicidade de nunca se sentir realizado, a desilusão de uma vida sem sentido porque fechada a Deus e aos irmãos. Nós fomos criados para a relação com os outros e com Deus: o fechamento é doentio e contra a nossa natureza.

A posse de riquezas pode ser o maior impedimento para nos abrirmos a Deus e aos irmãos… e para entrar no Reino dos Céus. Colocar a confiança e a esperança nos bens materiais envenena o coração do homem, torna-o orgulhoso e autossuficiente e afasta-o de Deus e dos outros, muitas vezes explorando-os como meio para alcançar mais riquezas. Mas o desapego de tudo quanto se possui exige um grande ato de generosidade que só Deus pode fazer despertar… é um milagre que só Deus pode fazer.

Peçamos a Deus, como o fez Salomão, o dom da sabedoria, mais valiosa do que a pedra mais preciosa e do que todo o ouro. A sabedoria de saber distinguir o bem do mal, a justiça da injustiça, a caridade do egoísmo… Só a sabedoria que vem de Deus permite que administremos retamente os bens que temos, reconhecendo-os como dons que Deus nos deu. Bens que não nos foram dados para arrecadar egoisticamente, mas para utilizar na construção de um mundo melhor e feliz, não apenas para nós mesmos, mas para todos.


(Inspirado em “O banquete da Palavra, ano B” de Fernando Armellini)




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