Mesmo na pobreza dar tudo... até a própria vida

 

XXXII Domingo do Tempo Comum, ano B

Quase unido ao mandamento do amor que nos era apresentado no evangelho no passado domingo, mandamento esse de dupla e indissociável concretização (no amor a Deus e ao próximo), hoje a mesa da palavra serve-nos dois deliciosos textos sobre a esmola.

Na Bíblia são frequentes as exortações à esmola: “O justo dá tudo sem nada reservar” (Pr 21, 26); “Reparte o teu pão com os famintos e as tuas vestes com os nus. Tudo quanto te sobeja, dá-o de esmola, e não fiques com os olhos postos no que tiveres dado” (Tb 4, 16).

Será que há um preço a pagar para entrar no Reino dos Céus? Será suficiente dar algo como esmola?

Numa homilia o Papa Gregório Magno (590-614) ensina que “O Reino de Deus não tem preço; vale tudo quanto se possui”. No caso de Zaqueu, a entrada no Reino dos Céus foi paga com a metade dos bens que possuía, porque a outra metade servia-lhe para restituir o quádruplo àqueles que defraudara (Lc 19, 8). No caso de Pedro e André, o Reino dos Céus valeu as redes e o barco, porque os dois irmãos não tinham mais nada (Mt 4, 20). A viúva comprou-o por muito menos: duas moedinhas apenas (Lc 21, 2). Há quem entre oferecendo apenas um copo de água fresca (Mt 10, 42). O preço a pagar é fácil de determinar: o reino de Deus vale tudo aquilo que se possui, por muito pouco que seja.

A primeira leitura, retirada do primeiro livro dos reis retrata os acontecimentos que sucederam ao casamento do rei de Israel, Acab, com uma rainha Jezabel. Jezabel era uma princesa da Fenícia que quando veio para Israel trouxe consigo o culto ao deus Baal, trouxe centenas de sacerdotes e profetas de sua religião pagã para dentro de Israel, convenceu o rei de Israel a construir santuários ao deus estrangeiro e exigiu que o seu deus tivesse os mesmos direitos do Deus de Israel perante o povo.

Num tempo de seca, Jezabel conseguiu convencer o povo de Israel a abandonar a fé no Deus dos seus pais e a dobrar-se diante do ídolo Baal, considerado como senhor da chuva, da fertilidade e da fecundidade.

O Profeta Elias avisou que esta infidelidade de Israel ao Senhor seu Deus resultaria em três anos de seca, carestia e pestilência. Naturalmente que quando Acab convocou os videntes pagãos para identificar os responsáveis pela ausência de chuvas e calamidades consequentes, Elias foi culpabilizado. Acab e Jezabel mandaram perseguir Elias e dar-lhe a morte. Elias teve então de fugir. É no contexto dessa fuga que Elias chega à cidade de Sarepta onde se encontra com esta viúva que recolhia lenha para cozer, para si e seu filho, o último punhado de farinha que lhe restava e depois esperarem a morte.

Elias, reconhecendo a sua pobreza, começa por lhe pedir apenas água para beber. Todavia, quando ela se voltava para ir buscar a água, ele suplica-lhe que lhe dê um pedaço de pão. Pede-lhe tudo o que ela tinha. Elias promete-lhe que se ela lhe trouxer um pãozinho o Senhor lhe promete que não se lhe esgotará a panela da farinha nem se esvaziará a almotolia do azeite.

Aquela pobre mulher pagã, que ainda não adorava o Senhor, mas apenas o conhecia como o ‘Deus de Elias’, confiou na promessa e entregou em caridade para com o profeta tudo quanto ela tinha. O Senhor abençoou a sua generosidade e proporcionou-lhe alimento enquanto durou a seca.

Enquanto que para os povos da antiguidade a riqueza, o sucesso e o bem-estar eram considerados bênçãos dos deuses, o Deus de Israel revelou-se como um Deus que dirige o seu olhar para os mais fracos, os estrangeiros, os órfãos, as viúvas, os pobres e os doentes. São esses que, não tendo nada nem ninguém com quem contar, se entregam confiadamente a Deus, entregam-Lhe tudo o que têm e tudo o que são.

No evangelho vemos mais um testemunho disso mesmo: uma viúva que “na sua pobreza, ofereceu tudo no que tinha, tudo o que possuía para viver”. Jesus reconhece que que ela “deitou na caixa mais do que todos os outros”, mesmo mais do que aqueles ricos que deitaram quantias avultadas, porque eles davam o que lhes sobrava e ela deu tudo quanto tinha.

Esta mulher ensina o que verdadeiramente significa amar a Deus com todo o coração, toda a alma, todo o entendimento e todas as forças. Ao contrário dos ricos que deitavam no tesouro do templo muitas moedas, ela não dá muito, no entanto também não dá o que lhe sobra ou o que não quer para si. Ela dá tudo o que tem ou, melhor ainda, “na sua pobreza ela deu toda a sua vida”.

Seremos verdadeiros discípulos na medida em que aprendermos a ser como estas duas mulheres, a como elas dar a Deus e aos irmãos necessitados não apenas uma parte de nós e muito menos aquilo que nos sobra, mas a dar tudo o que temos e somos e a confiar que Deus proverá o que nós realmente precisamos.


(Inspirado em “O banquete da Palavra, ano B” de Fernando Armellini)




 

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