Festa do Batismo do Senhor

Hoje a liturgia leva-nos a recordar o Batismo e o início da vida pública de Jesus. Sabemos bem que Jesus não foi batizado como a maioria de nós, ainda em criança. Sabemos também que não foi levado até às águas batismais nos braços de seus pais, leia-se Maria sua mãe e José seu pai putativo.

Desculpem este aparte, desabafo meu: é triste que hoje muitos dos nossos cristãos se abeirem da Igreja apenas quando levados pelos braços dos outros. No batismo, quando são levados ao colo, e no dia do funeral, em que são levados às costas ou ao ombro… durante o resto da vida nesta terra nunca mais conhecem o caminho para a Igreja.

Sabemos ainda que Jesus não foi conduzido ao batismo pela vontade de terceiros, mas pela sua própria vontade.

Neste dia recordamos o momento quando, em torno dos trinta anos, Jesus desce até ao lugar que a tradição identificou como Betabara / Betânia além do Jordão (no outro lado do Jordão – Jo 1,28) ou até à atual Qasr El Yahud, lugar onde, guiado por Josué, o povo eleito atravessou o rio e entrou na Terra Prometida. Parece evidente, no gesto de Jesus, uma referência à passagem da escravidão à liberdade e o início de um novo êxodo em direção à verdadeira Terra Prometida.  

Naquele lugar “João pregava «um batismo de penitência, em ordem à remissão dos pecados» (Lc 3, 3). Uma multidão de pecadores, publicanos e soldados, fariseus e saduceus e prostitutas vinha ter com ele, para que os batizasse. «Então aparece Jesus». O Baptista hesita, Jesus insiste: e recebe o batismo. Então o Espírito Santo, sob a forma de pomba, desce sobre Jesus e uma voz do céu proclama:”(CIC 535) «Tu és o meu Filho amado» (Lc 3, 22).

Embora Jesus se submeta ao batismo que estava indicado para os pecadores – que era tido como sinal da purificação dos pecados e momento de conversão de vida – Ele, que não era pecador mas santo, «deixa-se contar entre o número dos pecadores» (CIC 536) para assumir a missão de Servo Sofredor (ouvíamos dele falar Isaías na primeira leitura), «Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo» (Jo 1, 29), e antecipar o «batismo» da sua morte sangrenta. Jesus coloca-se ao lado do povo pecador e afirma a sua solidariedade: não os julga, não os condena nem os despreza. Partilha com eles a condição de escravidão e com eles percorre o caminho que leva à liberdade. Jesus veio para se colocar ao lado do homem pecador, para lhe dar a mão e para o ajudar a sair da sua triste situação e a chegar a uma Vida nova. 

Com a sua submissão ao batismo Jesus dá-lhe um novo significado. No batismo de Cristo «abriram-se os céus» (Mt 3, 16), que o pecado de Adão tinha fechado, e as águas são santificadas pela descida de Jesus e do Espírito (CIC536). Aquele que era um batismo de penitência, de purificação dos pecados e sinal de conversão de vida, adquire agora um novo significado: o novo batismo, inaugurado por Cristo, abre-nos a porta da filiação divina. Ao descer à água com Jesus, para de lá subir com Ele, o cristão renasce da água e do Espírito para se tornar, no Filho, em filho-amado do Pai e «viver numa vida nova» (Rm 6, 4) (cf. CIC 537).

Como ensinou St. Hilário de Poitiers, «tudo o que se passou com Cristo dá-nos a conhecer que, depois do banho de água, o Espírito Santo desce sobre nós do alto dos céus e, adotados pela voz do Pai, tornamo-nos filhos de Deus».

Dissemos que o batismo de Jesus inaugura a sua “vida pública”: tempo em que Jesus anuncia o Evangelho do Reino, convida a humanidade à conversão, realiza sinais e milagres que testemunham a sua identidade de Messias, a credibilidade da sua mensagem e, como primícias visíveis e palpáveis pelos seus contemporâneos, antecipam as promessas do Reino de Deus. É esse percurso dos cerca de três anos da vida pública de Jesus que a liturgia da Igreja nos ajudará a acompanhar ao longo dos próximos domingos do tempo comum. Não acompanhar de forma passiva, como meros espectadores, mas como homens e mulheres comprometidos a uma configuração constante e evolutiva com Jesus. Acompanhemos Jesus, escutando o Evangelho e comungando o seu Corpo e Sangue, domingo após domingo, e inspiremo-nos n´Ele. Não sejamos cristãos frouxos e conformados com as nossas fraquezas e pecados, mas deixemo-nos inspirar e mover pelo mesmo Espírito que habitou Jesus e que recebemos no dia do nosso batismo. Que Ele nos ajude a progredir na santidade e assim viver a nossa condição de batizados e filhos amados de Deus.



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