Relançar a âncora da nossa esperança na fonte da verdade e da salvação

 6 de Setembro | Missa Vespertina do XXIII Domingo do Tempo Comum do ano C

Celebramos hoje, de forma vespertina, o XXIII Domingo do Tempo Comum. Porque as leituras escutadas por nós hoje serão as mesmas que escutaremos amanhã, na celebração dominical, irei hoje meditar convosco principalmente na Leitura do Livro da Sabedoria, deixando para nossa meditação amanhã a Carta de São Paulo a Filémon e da perícope do Evangelho Segundo São Lucas.

A primeira leitura por nós hoje escutada faz parte do Livro da Sabedoria. O Livro da Sabedoria é um dos chamados “Livros sapienciais”, grupo onde encontramos: Provérbios (uma coleção de ditados e conselhos práticos sobre a vida cotidiana); Jób (uma reflexão profunda sobre o sofrimento e a justiça divina); Eclesiastes/Coélet (que explora o sentido da vida e a futilidade das buscas humanas); Sabedoria (um texto que exalta a sabedoria como um dom divino); Salmos (hinos e orações de súplica e louvor a Deus); Ben-Sirá (que oferece conselhos práticos e morais) e o Cântico dos Cânticos (um poema lírico que celebra o amor e a beleza).

Neste, o Livro da Sabedoria, o seu autor, provavelmente um judeu piedoso da diáspora, falante da língua grega e conhecedor tanto da filosofia helénica como da história, fé e sabedoria de Israel, olha com desagrado para a sedução dos judeus pela cultura dos gregos e crescente desprezo da história, fé e sabedoria judaica que resvala no perigo da idolatria, do paganismo e da imoralidade.

Pondo em diálogo a fé tradicional de Israel com a cultura grega, o autor do Livro da Sabedoria pretende mostrar a superioridade da sabedoria de Israel sobre a sabedoria e a cultura helenistas, porque a sabedoria de Israel é-lhe revelada por Deus que é o máximo garante da sua verdade e perfeição.

Só a sabedoria de Israel, revelada àqueles a quem Deus envia o seu «espírito santo», permite ao ser humano «conhecer os desígnios de Deus», «descobrir o que há nos céus», «aprender as coisas que agradam a Deus», corrigir «o procedimento dos que estão em terra» e assim alcançar a sabedoria que salva.

Em contrapartida, a sabedoria dos helénicos, porque é mera sabedoria alicerçada na racionalidade humana, mal pode «compreender o que está sobre a terra», pois é enfraquecida pelos pensamentos mesquinhos dos mortais e pelas reflexões inseguras da alma deprimida e do espírito oprimido pela sua morada terrestre que é corpo corruptível.

Caríssimos irmãos e irmãs: Este texto escrito, possivelmente na primeira metade do séc. I a. C., para reavivar a fé dos judeus, a sua confiança na sabedoria que Deus lhes havia revelado e a sua fidelidade as tradições dos seus antepassados, alertando para que evitassem contaminar-se com a mentalidade mundana dominante na sua época é, hoje como naquela época, um convite também para nós.

Quando nós, cristãos, mas a humanidade em geral, desprezamos a Palavra de Deus, diminuímos a autoridade dessa mesma Palavra Revelada, relativizamos os preceitos morais nela inscritos, deixamos de nos alimentar e guiar pelos seus salutares ensinamentos… caímos inevitavelmente na idolatria, no paganismo, na imoralidade, na profanação do sagrado.

Caímos:

na perda da consciência do valor inviolável da dignidade humana desde a sua conceção até à sua morte natural;

na perda da consciência de que a natureza é fruto da bondade criadora de Deus, que nos a legou para que, por nós, seja retamente administrada sem que, contudo, nos tornemos seus escravos e adoradores;

na perda da consciência de que a família é célula fundamental da sociedade que deve ser fomentada e protegida;

na perda da consciência de que o matrimónio cristão é uma união sagrada de homem e mulher, sacramento do amor entre Cristo e a Igreja;

na perda da consciência de que o cristianismo é a plenitude da religião porque a sua cabeça e fundamento é o próprio Filho de Deus;

na perda da consciência de que a vida temporal é efémera e todo o consumismo, materialismo, autoritarismo, ganância e avareza tornam a nossa alma demasiado pesada para poder subir à eternidade;

na perda da consciência de que a fraternidade, a tolerância e o respeito pela diversidade, o acolhimento dos pecadores ainda que se repudie o pecado, a solidariedade entre os povos, a caridade gratuita e desinteresseira para com os desfavorecidos, o respeito e o cuidado para com as crianças e idosos, a justiça, a verdade e o perdão são valores que devem distinguir o cristão;  

…e, na perda da consciência de tudo isto, caímos na perda do rumo santidade, somos imersos nos labirintos de uma cultura onde o errado se torna certo e o certo se torna errado, em que o pecado se torna virtude e a santidade se torna loucura e afogamo-nos nesse mar revolto da confusão de ideologias onde a Verdade, a Beleza e a Bondade deixaram de ter força universal e ficaram à mercê dos caprichos e dos “achismos” de cada um.

Caríssimos irmãos e irmãs, também hoje precisamos de reencontrar a bussola da salvação! Também hoje precisamos de relançar a âncora da nossa esperança na fonte da verdade e da salvação. A nossa Esperança é Cristo! Ele e apenas Ele é a esperança que não engana (cf. Rm 5, 5). Importa de novo redescobrir e valorizar as raízes cristãs da nossa cultura e sociedade. Neste ano santo jubilar precisamos de aprender que só podemos encontrar estabilidade, segurança, unidade e paz se «no meio das águas agitadas da vida» confiarmos no Senhor Jesus e o escolhemos como cais seguro para lançamos a ancora da nossa vida e atracamos a nossa alma.

Só o Senhor Jesus pode dar-nos a verdadeira sabedoria, a sabedoria do coração, a sabedoria que conduz à salvação. O Senhor é o nosso refúgio, é-o para todas as gerações!

Peçamos-Lhe que venha habitar em nossos corações, por meio do Espírito Santo, para nos inspirar e orientar com a sabedoria da sua Palavra.

Mas, saibamos também que Nossa Senhora, aquela que é cheia de graça, é a Esposa amada do Espírito Santo. Tenhamo-la também junto de nós! Tenhamos Nossa Senhora do Pilar no nosso coração! Pois, como diz São Luís Maria de Monfort (p.26), «quando o Espírito Santo, seu Esposo, a encontra numa alma, Ele voa para lá, entra nela plenamente, comunica-se a essa alma abundantemente, na mesma medida em que ela dá lugar à sua Esposa».

A Jesus e Maria, recomenda a “Imitação da Bem-aventurada Virgem Maria” (de Tomás de Kempis, p.113): «Começa na terra a louvá-los, a venerá-los e a amá-los, para que possas merecer a graça de reinar com eles, bendizê-los e exaltá-los eternamente em união com os anjos e os santos. É belo e suave louvar a Jesus, é amável e gracioso louvar a Maria. Louva-os na alegria, louva-os na tristeza, pois são dignos de todo o louvor e devem ser igualmente invocados em qualquer circunstância. […] Eles nunca te esquecerão, enquanto tu não os esqueceres».




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